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A história de Juliane Koepcke, a mulher que caiu de 3 mil metros e vagou por 11 dias na selva

Luciana Calogeras

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Única sobrevivente do acidente do voo 508 da LANSA, Juliane Koepcke vagou sozinha por 11 dias na Floresta Amazônica.

Quando se trata de contos de sobrevivência e resiliência humana, poucas histórias são tão impressionantes quanto a de Juliane Koepcke. Nascida em Lima, Peru, em 10 de outubro de 1954, filha de zoólogos alemães, Juliane cresceu em um ambiente que a maioria consideraria inóspito: a floresta amazônica. Seus pais mudaram-se para o Peru para estudar a fauna selvagem e estabeleceram uma estação de pesquisa chamada Panguana na Amazônia. Esse ambiente único a imergiu nos conhecimentos da selva, habilidades que mais tarde seriam fundamentais em sua jornada inacreditável de sobrevivência.

Ao completar 17 anos, Juliane Koepcke já tinha concluído o ensino médio e estava cheia de sonhos de seguir a carreira em zoologia, tal como seus pais. Sua vida parecia seguir um curso positivo, mas o destino tinha outros planos.

O trágico voo LANSA 508

voo LANSA 508
Um Lockheed L-188 Electra, similiar ao envolvido no acidente.

Na véspera de Natal de 1971, ela e sua mãe embarcaram no voo LANSA 508, um voo curto de uma hora de Lima para Pucallpa, uma cidade localizada na parte oriental do país. Elas estavam a caminho de visitar o pai de Juliane, que estava trabalhando na estação de pesquisa na selva.

Inicialmente, parecia ser um voo como qualquer outro. No entanto, apenas 25 minutos após a decolagem, o avião entrou em uma violenta tempestade elétrica. A tensão no interior da cabine se tornou tangível, e os passageiros se preparavam para a turbulência. Relâmpagos iluminavam momentaneamente os rostos ansiosos a bordo. Juliane lembra-se das palavras cautelosamente otimistas de sua mãe, na esperança de que sairiam bem da tempestade. Mas, em um momento aterrorizante, um raio atingiu o motor do avião, despedaçando-o.

A próxima lembrança de Juliane Koepcke foi de uma queda livre de uma altura inimaginável de 10.000 pés, cerca de 3.000 metros. Enquanto despencava, ela sentia um estranho desapego, quase como se o avião a tivesse abandonado. Após o que pareceu uma eternidade, ela perdeu a consciência. Quando acordou, estava presa ao seu assento de avião, emaranhada na densa copa da Amazônia peruana. Era uma paisagem familiar para ela, mas nunca vista sob circunstâncias tão graves.

Floresta amazônica
Floresta amazônica

O Primeiro Despertar de Juliane Koepcke na Selva

Milagrosamente, suas lesões foram relativamente leves, considerando a altura da queda. Ela sofreu uma clavícula quebrada, uma visão prejudicada em um olho e um corte profundo na panturrilha. À medida que recuperava seus sentidos, a dura realidade de sua situação começou a se impor. Ela estava sozinha em um dos ambientes mais hostis do mundo, ferida, mas sem suprimentos ou meio imediato de comunicação.

Após o choque inicial, os instintos de sobrevivência de Juliane Koepcke, aperfeiçoados por anos vivendo na selva, entraram em ação. Ela entendeu que permanecer onde estava não era uma opção. Lembrando dos ensinamentos de seu pai, sabia que precisava encontrar água e seguir seu fluxo para alcançar a civilização. Era o conselho que seu pai frequentemente lhe dava: a água flui rio abaixo e, ao fazer isso, se une a corpos d’água maiores, levando finalmente a assentamentos humanos.

Com isso em mente, ela iniciou sua árdua jornada de 11 dias de volta à civilização. Nos primeiros dias, ela navegou pelos obstáculos da selva, que eram tanto mentais quanto físicos. Lutando contra momentos de desespero e solidão, sua determinação se fortaleceu quando encontrou os corpos de três passageiros mortos na queda. Era uma visão terrível, que a confrontou com sua própria mortalidade. Perto dos corpos, ela encontrou um saco de doces, que se tornou sua única fonte de sustento nos dias seguintes.

Jornada Solitária pela Amazônia

Apesar do impacto emocional, a descoberta macabra intensificou seu senso de urgência. Compreendendo que poderia facilmente ter compartilhado o mesmo destino deles, ela sentiu uma determinação renovada para sobreviver. Seu ânimo foi ainda mais testado quando ouviu o som de aviões de busca sobrevoando a densa copa das árvores. Sabendo que as chances de ser vista eram mínimas, ela sentiu um momento de desesperança. Ainda assim, persistiu, orientada pela sabedoria de seu pai e por uma vontade indomável de sobreviver.

Determinada a encontrar uma saída, Juliane Koepcke prosseguiu em sua exaustiva caminhada pela selva peruana. Sua jornada foi marcada por momentos de esperança e desespero, especialmente quando ouviu e viu aviões e helicópteros de resgate sobrevoando a área. Apesar de suas tentativas desesperadas de sinalizar para eles, a espessa copa das árvores tornava impossível que os socorristas a vissem, consolidando a assustadora percepção de que estava realmente sozinha.

O Resgate de Juliane Koepcke e o Retorno à Civilização

No nono dia, fisicamente exausta e emocionalmente abalada, ela tropeçou em uma pequena cabana — um sinal de habitação humana e um vislumbre de esperança. Decidiu descansar ali, lutando com o pensamento de que talvez nunca fosse encontrada. Justo quando estava quase aceitando seu destino cruel, ouviu vozes. Pertenciam a três madeireiros peruanos, cujo susto inicial ao vê-la rapidamente se transformou em uma intervenção que salvou sua vida. Estes homens, que Juliane Koepcke mais tarde descreveria como parecendo “anjos,” a levaram de barco para um hospital próximo, encerrando seus 11 angustiantes dias de sobrevivência contra todas as probabilidades.

Wings of Hope / YouTube A adolescente Juliane Koepcke retratada poucos dias depois de ser encontrada deitado sob a cabana na floresta, após caminhar pela selva por vários dias.
Wings of Hope / YouTube A adolescente retratada poucos dias depois de ser encontrada deitado sob a cabana na floresta, após caminhar pela selva por vários dias.

Após receber tratamento médico para suas lesões, ela finalmente se reuniu com seu pai. Foi então que soube que sua mãe também havia sobrevivido à queda inicial, mas sucumbiu aos ferimentos pouco tempo depois. Juliane ajudou as autoridades a localizar os destroços do avião e a identificar as vítimas. Dos 92 passageiros no voo LANSA 508, Juliane Koepcke foi a única sobrevivente.

A Vida após o Desastre

A vida após o acidente não foi fácil. A mídia a assediou, muitas vezes retratando sua incrível história de maneiras que careciam de sensibilidade. Ela lutou contra o medo de voar e pesadelos recorrentes. No entanto, apesar desses desafios, ela retirou do mesmo reservatório de resiliência que a ajudou a sobreviver na selva. Ela continuou seus estudos em biologia na Universidade de Kiel, na Alemanha, onde obteve seu doutorado e realizou seu sonho de vida de se tornar zoóloga. Eventualmente, ela retornou ao Peru para realizar pesquisas em mastozoologia e mudou seu nome, após casar-se, para Juliane Diller.

Em 1998, ela revisita o local do acidente para o documentário “Asas da Esperança”, dirigido por Werner Herzog. A experiência foi terapêutica, permitindo-lhe focar no incidente de uma perspectiva distante e alcançar um tipo de encerramento que admitiu não ter sentido antes. Isso a levou a escrever uma memória, “When I Fell From the Sky“, detalhando sua impressionante história de sobrevivência.

Mas, apesar da passagem do tempo e de seu crescimento pessoal, uma pergunta permanece para Juliane Koepcke: por que ela foi a única sobrevivente? É uma pergunta que a assombra até hoje e, como ela frequentemente afirma, “sempre assombrará.”

A história de Juliane Koepcke é um testemunho emocionante do espírito humano indomável e da vontade de sobreviver contra probabilidades esmagadoras. Seu início de vida, moldado por seus pais zoólogos, inconscientemente a preparou para uma situação de vida ou morte que ela jamais poderia ter antecipado. No entanto, quando confrontada com circunstâncias inimagináveis, ela demonstrou uma resiliência inspiradora que captura a essência dos instintos de sobrevivência humana. Sua história continua a inspirar e serve como um lembrete contundente dos giros imprevisíveis que a vida pode tomar e dos comprimentos extraordinários aos quais as pessoas irão para preservá-la.

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Luciana é profissional da área de tradução há mais de 15 anos, atuando também como professora de Inglês. Trabalha no Mistérios do Mundo desde 2016 como redatora e roteirista e em horas vagas é pesquisadora curiosa em diversas áreas do conhecimento.