Em 2008, Wilm Hosenfeld se juntou ao seleto grupo de homenageados pelo World Holocaust Remembrance Center, uma celebração por ter salvo vidas judias durante o Holocausto. Mas o que talvez possa ser surpreendente para algumas pessoas é que, na verdade, Wilm Hosenfeld era um oficial nazista durante a Segunda Guerra. Mas ainda que desde o início da guerra Hosenfeld estivesse do lado dos nazistas, ele passou a perceber que estava defendendo as bandeiras erradas quando estava no gueto da Varsóvia, na Polônia.
Em 1940, a Alemanha Nazista invadia o território polonês, forçando os judeus a entrarem no gueto da Varsóvia, ampliando a população do local para mais de 400 mil pessoas, sobretudo judeus. Em abril de 1943, insurgentes judeus se rebelaram quando os nazistas estavam se preparando para deportar os últimos prisioneiros para os campos de extermínio.
Os nazistas queimaram o gueto, deportando os últimos 42 mil moradores e dando fim ao antigo bairro judeu da Varsóvia. E foi justamente o tratamento brutal que os nazistas davam aos judeus poloneses que fez com que Wilm Hosenfeld ficasse totalmente chocado e horrorizado, passando a repensar seus próprios ideais. A partir daí, o oficial alemão se dedicou à causa de resgatar os judeus do regime nazista.

E foi Hosenfeld que salvou ninguém menos que Wladyslaw Szpilman, o pianista judeu que mais tarde foi homenageado com o filme “O Pianista”, de 2002, que muitos de vocês com certeza já assistiram. Infelizmente, apesar de todo o seu heroísmo, a história de Hosenfeld não terminou bem.
Quem era Wilm Hosenfeld
Hosenfeld nasceu em 1895, tendo servido ao exército alemão na Primeira Guerra Mundial antes de se tornar professor e constituir uma família com cinco filhos. Atraído pelo ideal nazista por conta de toda a propaganda enganosa de Hitler, Wilm Hosenfeld se junto ao exército alemão, sob a falsa ideia de que estaria ajudando a “devolver a Alemanha à sua grandeza anterior”. O que ele não sabia, é que estava participando de um dos momentos mais tristes e lamentáveis de toda a história da Alemanha e do mundo.
Mas não demorou para Wilm Hosenfeld perceber o que os nazistas realmente estavam fazendo. Ao eclodir a Segunda Guerra Mundial, a Wehrmacht convocou o então veterano Wilm Hosenfeld e o enviou para a Polônia, onde ele foi capaz de testemunhar de perto o tratamento terrível dos judeus poloneses na Varsóvia, onde passou os seus anos de guerra. Em seu diário, Hosenfeld escreveu: “Esses animais… Com o horrível assassinato em massa dos judeus, perdemos esta guerra. Trouxemos uma maldição eterna sobre nós mesmos e seremos para sempre cobertos de vergonha. Não temos direito à compaixão ou misericórdia; todos nós temos uma parte na culpa. Tenho vergonha de andar na cidade”.

Desiludido com o próprio exército que defendia, Hosenfeld começou a tentar salvar os judeus poloneses da forma como conseguia. Ele contratou homens para trabalhar em um ginásio que ele supervisionava, que servia como abrigo para os judeus, e também entregava papéis de liberação aos prisioneiros para que pudessem escapar das prisões nazistas. Em 1942, Leon Warm saltou de um trem com destino a Treblinka, tentando salvar a sua vida. E graças à Wilm Hosenfeld, que lhe entregou documentos falsos e o ajudou a conseguir um emprego, ele conseguiu recuperar a sua autonomia e escapar das amarras terríveis do nazismo.
A História do Pianista

Em 1944, Wilm Hosenfeld descobriu um homem quase morrendo de fome, escondido em um prédio bombardeado pelos nazistas na Varsóvia. Tratava-se de Wladyslaw Szpilman, uma celebridade na Polônia por conta do seu talento com o piano. Szpilman escapou do trem que levava sua família para um campo de concentração, e quando os nazistas deportaram todos os judeus do gueto da Varsóvia, Szpilman se escondeu em um prédio abandonado. E ele foi descoberto por Szpilman já quase morrendo.
Wilm Hosenfeld levou o homem até um piano na mansão onde ele estava escondido, e pediu que ele tocasse algo. Szpilman, supostamente, interpretou uma composição de Chopin. Durante vários dias, o oficial nazista voltou para levar comida, roupas e outros suprimentos para o pianista, permitindo que ele sobrevivesse ao curso da guerra. Szpilman disse ao oficial o seu nome, e prometeu reembolsar o soldado alemão depois do fim da guerra. Mas Hosenfeld, envergonhado por estar associado aos nazistas, nunca chegou a dizer o seu nome a ele.
E por conta de toda a ajuda que ofereceu aos judeus, Hosenfeld acabou tendo um triste fim. No final de 1944, a Alemanha estava começando a perceber que estava com uma maré negativa na guerra, e pouco tempo depois os soviéticos chegaram até a Varsóvia.
O exército soviético capturou Wilm Hosenfeld junto com outros membros da Wehrmacht, e o acusou de espionagem, levando o alemão para uma prisão militar. Em 1946, ele escreveu uma carta fazendo um apelo à sua esposa. Nela, listou os nomes de todos os judeus que ele havia ajudado a salvar, e pediu para que a mulher tentasse encontrar Warm e Szpilman, na esperança de que eles pudessem ajudar a libertá-lo.
Depois de cinco anos em um prisão soviética, Hosenfeld teve de enfrentar um tribunal militar, que o condenou a 25 anos de trabalhos forçados na prisão. Hosenfeld não ofereceu defesa. Em uma carta escrita em 1950, Leon Warm se dirigiu a Szpilman na esperança de que algo pudesse ser feito para ajudar Hosenfeld. “Todos aqueles ajudados por Hosenfeld, ou que tiveram algum outro contato com ele, nunca permitirão que tais acusações sejam feitas contra ele. Pelo contrário, todos estão empenhados em ajudá-lo e recompensá-lo por sua bondade”, escreveu Warm. E enquanto Hosenfeld estava na prisão, Szpilman escreveu o livro “The Death of a City”, com memórias detalhadas sobre a experiência brutal que ele viveu durante a guerra. No livro, Szpilman descreveu o gentil oficial alemão que salvou a sua vida nas últimas semanas da guerra. Mais tarde, a história inspirou o filme “O Pianista”, vencedor de um Oscar.
Curiosamente, Szpilman soube o verdadeiro nome do oficial alemão apenas em 1950, mas já era tarde demais para tentar ajudá-lo. O oficial morreu em 1952, ainda trancado na prisão soviética. Ao que tudo indica, sua morte foi uma consequências das constantes torturas às quais ele era submetido na prisão.
Legado
Ao longo da toda a guerra, Wilm Hosenfeld ajudou a salvar a vida de aproximadamente 60 pessoas, muitas delas judias. Mas se não fossem os relatos de Wladyslaw Szpilman, a sua história provavelmente teria sido esquecida. Em suas memórias, Szpilman relatou a gentileza que Hosenfeld ofereceu durante os dias mais sombrios da guerra, dizendo que sem ele, provavelmente teria morrido de fome ou congelado antes da libertação. Poucos antes da sua morte, Szpilman escreveu ao Yad Vashem, o memorial de Israel ao Holocausto, pedindo que Hosenfeld fosse reconhecido por seus atos.
O Yad Vashem abriu uma investigação sobre o caso, revisando cartas do próprio diário de Leon Warm e Hosenfeld. Em 2008, o memorial deu a Hosenfeld a designação de “Justo entre as Nações”. Ele se tornou um dos menos de 500 alemães reconhecidos com tal honra. Andrzej Szpilman, filho de Wladyslaw, participou do culto após a morte do seu pai, descrevendo Hosenfeld como “uma pessoa que ajudou muitos indivíduos diferentes desde o início da guerra, independentemente de sua origem, religião ou raça”.
Com informações do All That’s Interesting.