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Universo 25: A “sociedade perfeita dos ratos” que acabou se transformando no apocalipse

Leonardo Ambrosio

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Universo 25
Alguma vez você já perguntou o que aconteceria com a humanidade caso todas as nossas vontades e necessidades fossem totalmente atendidas?

Não importa a sua condição financeira, nem o status social que você ocupa. A vida sempre vai apresentar as suas dificuldades. O filósofo Arthur Schopenhauer já dizia que a vida humana se resume a querer e adquirir, e ao que tudo indica ele não poderia estar mais certo.

Alguma vez você já perguntou o que aconteceria com a humanidade caso todas as nossas vontades e necessidades fossem totalmente atendidas? Bem, alguns pesquisadores tentaram responder essa pergunta em meados do 1970.

Liderados por John B. Calhoun, um grupo de pesquisadores deu início a um estudo que ficou conhecido como ‘Universe 25’, e que tinha como principal objetivo a criação de um mundo utópico, utilizando roedores, onde todas as necessidades dos animais seriam atendidas, sem que eles precisem se esforçar para isso. Mas ao contrário do que talvez você possa imaginar, os resultados não foram nada agradáveis.

O estudo, inicialmente, colocou quatro pares de roedores em um ambiente totalmente controlado, desenhado para eliminar problemas que normalmente os roedores encontram na vida selvagem. A alimentação, por exemplo, era providenciada por meio de 16 túneis ligados à “cidade utópica” criada pelos pesquisadores. Os túneis conseguiam alimentar até 25 roedores ao mesmo tempo. Garrafas de águas também foram posicionadas no topo do ambiente, providenciando água 24h por dia, sem falta. A temperatura foi minuciosamente controlada, para não ultrapassar os 20ºC, considerados ideias para os roedores. Além disso, todos os animais que participaram do estudo tiveram sua saúde testada antes e durante a pesquisa.

Como você pode ver, a cidade utópica era um verdadeiro paraíso para os ratos, já que eles não precisariam caçar, procurar água, nem se preocupar com possíveis predadores. Todas as suas necessidades estavam sendo supridas sem o mínimo esforço.

E como já era esperado pelos pesquisadores, os roedores aproveitaram o tempo livre resultante dessa falta de obrigações para procriar. No começo do estudo, a população de roedores dobrava a cada 55 dias. Rapidamente, a população total do ambiente criado pelo estudo atingiu 620 roedores, ponto a partir do qual o ritmo de crescimento diminuiu. Daí em diante, o número de “habitantes” passou a dobrar a cada 145 dias.

E foi aí que os problemas começaram.

Eventualmente, com o crescimento populacional desenfreado, os ratos passaram a se dividir em grupos, e muitos roedores simplesmente não conseguiam encontrar um papel dentro dessas divisões. Eles acabaram se isolando, como um grupo de “delinquentes”.

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Na natureza, os roedores que não conseguem encontrar um papel social dentro dos seus grupos costumam emigrar para outros lugares. Mas no caso do estudo, eles não tinham para onde ir.

“Os machos que falhavam se “largavam” física e psicologicamente, se tornando extremamente inativos, e aglomerados em grupos próximos ao centro do universo criado pelo estudo. A partir daí eles não interagiam mais com os outros”, escreveram os pesquisadores. “Além disso, eles passaram a se destacar por apresentarem várias cicatrizes e marcas de ataques realizados por outros machos isolados dos seus grupos”.

De acordo com os pesquisadores, os machos que se afastavam de suas posições sociais não respondiam quando eram atacados, eles simplesmente ficavam lá, imóveis. Posteriormente, eles protagonizavam outros ataques, a outros machos menores. As fêmeas relacionadas a estes machos também se retiravam de suas atividades sociais, evitando a procriação e se afastando de conflitos territoriais. Curiosamente, por passarem a maior parte do tempo ajeitando seus pelos, literalmente “se coçando”, esses ratos apresentavam as pelagens mais bonitas do estudo.

O caos começou a ser percebido pelos pesquisadores quando os machos considerados “alfas” passaram a apresentar um comportamento extremamente agressivo, atacando outros roedores sem nenhum motivo específico. Alguns desses ataques, inclusive, terminavam em canibalismo, ainda que houvesse suprimento suficiente de comida para todos.

A facilidade em ver todas as suas necessidades supridas fez com que muitas mães simplesmente abandonassem seus filhotes, deixando-os para que se virassem. Em alguns territórios da “cidade utópica”, a mortalidade infantil chegou a mais de 90%, com as próprias mães matando seus filhotes em alguns casos.

Os pesquisadores perceberam que, nesse momento, os roedores já estavam praticamente abandonando todos os comportamentos que seus semelhantes normalmente apresentavam na natureza. E os jovens roedores que sobreviviam aos ataques de suas próprias mães durante a infância cresciam com uma personalidade totalmente afetada por essas condições. Como resultado do caos provocado pela cidade criada no estudo, esses ratos nunca aprenderam conceitos básicos da vida dos roedores, e não demonstravam interesse nenhum pela procriação, preferindo gastar todo o seu tempo alisando seus próprios pelos e comendo, totalmente sozinhos.

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A população máxima do estudo foi de 2200 roedores, abaixo da capacidade máxima da cidade, que era de 3 mil ratos. A partir deste auge, a população passou a decair. Os roedores que não tinha interesse em procriar se isolavam na parte superior da cidade criada, e os mais ativos formavam grupos violentos nos andares de baixo, regularmente atacando e canibalizando outros grupos, em uma guerra constante. Eventualmente, a baixa taxa de natalidade, somada à alta mortalidade infantil e a violência, resultaram na extinção da colônia. O mais assustador é que, mesmo durante o “apocalipse” dos ratos, todas as necessidades deles eram atendidas 24h por dia.

Os pesquisadores concluíram que a principal motivação para o fim da colônia utópica foi o sentimento de vazio provocado pela falta de importância dos indivíduos dentro da sociedade. Além disso, eles acreditam que algo semelhante poderia acontecer em uma sociedade utópica envolvendo seres humanos.

“Em um animal tão complexo quanto o ser humano, não há razão lógica para acreditar que uma sequência comparável de eventos não poderia levar à extinção da espécie. Se as oportunidades de ocupar um papel na sociedade forem extintas, isso só pode ocasionar violência e o rompimento das organizações sociais”, escreveram os pesquisadores.

Alguns especialistas, no entanto, apontam possíveis falhas no estudo de Calhoun. Entre os problemas apontados está, por exemplo, a ideia de que talvez o caos não tenha sido provocado pelo crescimento populacional, e sim pela falta de controle dos roedores mais agressivos. Teoricamente, segundo esses especialistas, os animais extremamente violentos acabaram controlando todo o território, isolando os ratos que não desenvolviam este comportamento agressivo. A partir desta ideia é possível traçar uma comparação com o fato de que, na sociedade humana, o problema da fome e da miséria não está totalmente relacionado à produção de alimentos, e sim à forma como o alimento é distribuído. Em suma, ainda que exista capacidade para alimentar toda a população mundial, a distribuição de renda faz com que alguns grupos acabem controlando os demais.

Até hoje o estudo de Calhoun é usado para teorizar sobre o que aconteceria com a nossa sociedade caso fôssemos colocados em uma situação semelhante à da cidade utópica dos redores. E cá entre nós, as projeções são bem assustadores.

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Leonardo Ambrosio tem 26 anos, é jornalista, vive em Capão da Canoa/RS e trabalha como redator em diversos projetos envolvendo ciências, tecnologia e curiosidades desde 2014.