Nos sombrios anais da história da Segunda Guerra Mundial, poucos capítulos são tão perturbadores e moralmente repreensíveis quanto a história da Unidade 731, a unidade secreta de pesquisa e desenvolvimento em guerra biológica e química do Japão. Operando principalmente na China ocupada entre 1935 e 1945, a Unidade 731 conduziu alguns dos experimentos humanos mais horríveis da história registrada, tudo em nome da ciência militar e da ambição imperial.
Contexto Histórico
Para entender o surgimento da Unidade 731, é preciso primeiro compreender o clima geopolítico do início do século 20 na Ásia Oriental. O Japão, tendo se modernizado rapidamente durante a Restauração Meiji, abrigava ambições de construção de um império para rivalizar com as potências ocidentais. Isso levou à invasão e ocupação da Manchúria em 1931, seguida por uma invasão em grande escala da China em 1937, marcando o início da Segunda Guerra Sino-Japonesa.
Foi nesse contexto de expansão imperial e agressão militar que a Unidade 731 foi concebida e implementada. As atividades da unidade faziam parte de uma estratégia maior para afirmar a dominância japonesa na Ásia através da superioridade tecnológica e militar, independentemente do custo humano.
Origens e Estrutura da Unidade 731
Oficialmente conhecida como “Departamento de Prevenção de Epidemias e Purificação de Água do Exército de Kwantung”, a Unidade 731 foi estabelecida em 1935 em Pingfang, um distrito de Harbin, na Manchúria. A unidade foi idealizada por Shiro Ishii, um microbiologista e general cirurgião do exército japonês.
Ishii, que havia estudado guerra biológica no Ocidente, convenceu os líderes militares japoneses de que tais armas poderiam ser decisivas em futuros conflitos. O alto comando japonês, vendo a vantagem estratégica potencial, deu a Ishii ampla autoridade para prosseguir com sua pesquisa.
A sede da unidade em Pingfang era um complexo enorme espalhado por seis quilômetros quadrados, contendo mais de 150 edifícios. A instalação incluía edifícios administrativos, laboratórios, alojamentos e uma prisão especial para abrigar os sujeitos de pesquisa humana. Para manter o segredo, o complexo foi disfarçado como uma serraria.
A estrutura organizacional da Unidade 731 era complexa, compreendendo várias divisões, cada uma focada em diferentes aspectos da guerra biológica:
- Divisão de Pesquisa: Focada no desenvolvimento de armas biológicas
- Divisão de Experimentos: Conduzia experimentos humanos
- Divisão de Purificação e Produção de Água: Servia como fachada para o verdadeiro propósito da unidade
- Divisão Administrativa: Cuidava da logística e do pessoal
- Divisão Geral: Supervisionava assuntos gerais e segurança
Instalações satélites também foram estabelecidas em toda a China ocupada e no Sudeste Asiático, formando uma rede de centros de pesquisa que reportavam à sede de Pingfang.
Experimentos em humanos na Unidade 731
No cerne das atividades da Unidade 731 estavam os brutais experimentos humanos realizados em prisioneiros, que eram eufemisticamente chamados de “maruta” ou “toras”. Esses sujeitos de teste incluíam civis chineses e prisioneiros de guerra, prisioneiros russos e até alguns prisioneiros de guerra aliados.
Os experimentos conduzidos eram diversos e uniformemente cruéis, incluindo, mas não se limitando a:
- Vivissecção sem anestesia: Pesquisadores dissecavam sujeitos vivos para estudar os efeitos das doenças nos órgãos humanos. Os sujeitos muitas vezes estavam conscientes durante esses procedimentos.
- Testes de armas: Prisioneiros eram usados como alvos vivos para testar granadas, lança-chamas e outras armas. O objetivo era determinar alcances letais e eficácia.
- Infecção deliberada: Sujeitos eram intencionalmente infectados com doenças como peste, cólera e sífilis para estudar sua progressão e tratamentos potenciais.
- Experimentos de congelamento: Prisioneiros eram expostos a frio extremo e depois submetidos a várias técnicas de reaquecimento. Alguns tinham membros congelados sólidos e depois descongelados para estudar danos aos tecidos.
- Experimentos de câmara de pressão: Sujeitos eram colocados em câmaras de alta pressão até que seus olhos saltassem das órbitas, na tentativa de determinar os limites da resistência humana.
- Testes de guerra biológica em campo: Aldeias inteiras eram expostas a pragas e outros patógenos para observar a disseminação de doenças em condições reais.
Estima-se que entre 3.000 e 12.000 homens, mulheres e crianças morreram como resultado desses experimentos. O número real pode ser muito maior, pois registros foram destruídos no final da guerra.
Desenvolvimento de Guerra Biológica
O objetivo principal da Unidade 731 era desenvolver armas biológicas eficazes para uso em guerra. Eles cultivaram e testaram alguns dos patógenos mais mortais conhecidos pela humanidade, incluindo:
- Yersinia pestis (peste)
- Vibrio cholerae (cólera)
- Bacillus anthracis (antraz)
- Shigella (disenteria)
- Neisseria meningitidis (meningite)
- Salmonella typhi (tifo)
Esses patógenos foram transformados em armas de várias formas, incluindo aerossóis, contaminantes de água e até dispositivos semelhantes a bombas cheios de pulgas infectadas. A unidade 731 conduziu inúmeros testes em campo para avaliar a eficácia dessas armas.
Um dos incidentes mais notórios ocorreu em 1940, quando pulgas infectadas com peste foram lançadas sobre cidades chinesas na província de Zhejiang. Isso causou surtos que mataram milhares de civis. Ataques semelhantes foram realizados em outras partes da China, demonstrando o potencial devastador da guerra biológica.
Embora focada principalmente em agentes biológicos, a Unidade 731 também conduziu pesquisas em guerra química. Eles desenvolveram e testaram várias armas químicas, incluindo fosgênio, gás mostarda e cianeto de hidrogênio. Esses agentes foram testados em prisioneiros para determinar seus efeitos e letalidade.
Consequências e Controvérsia
À medida que a Segunda Guerra Mundial se aproximava do fim e as forças soviéticas avançavam na Manchúria, as instalações da Unidade 731 foram destruídas apressadamente, e muitos de seus membros fugiram. Em uma decisão controversa que teria implicações de longo alcance, os Estados Unidos concederam imunidade de acusação a muitos dos membros da Unidade 731 em troca de seus dados de pesquisa.
Essa decisão, tomada sob a direção do General Douglas MacArthur, foi motivada pelo desejo de adquirir os achados da unidade sobre guerra biológica, evitando que caíssem nas mãos soviéticas. Os EUA acreditavam que as informações, apesar de suas origens inconcebíveis, poderiam ser valiosas no desenvolvimento de defesas biológicas.
Como resultado, muitos dos cientistas da unidade escaparam da justiça por seus crimes de guerra. O Dr. Shiro Ishii e seus colegas nunca foram processados no Tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio. Em vez disso, muitos seguiram carreiras de sucesso no Japão pós-guerra, com alguns ocupando posições de prestígio em universidades, escolas de medicina e empresas farmacêuticas.
A extensão completa das atividades da Unidade 731 permaneceu amplamente desconhecida do público por décadas após a guerra. Só na década de 1980 informações detalhadas começaram a emergir, chocando o mundo. Vários fatores contribuíram para esse longo período de silêncio:
- Destruição de evidências: A maioria dos registros da Unidade 731 foi destruída nos dias finais da guerra.
- Encobrimento dos EUA: O governo americano manteve o acordo com os cientistas da Unidade 731 em segredo para evitar indignação pública.
- Negação do governo japonês: Por muitos anos, o governo japonês se recusou a reconhecer a existência da unidade ou suas atividades.
O legado da Unidade 731 continua a tensionar as relações entre o Japão e seus vizinhos, particularmente China e Coreia. Apesar de evidências esmagadoras, o governo japonês nunca reconheceu plenamente ou pediu desculpas pelas ações da unidade. Essa relutância em confrontar esse capítulo sombrio da história permanece um ponto de contenda na geopolítica da Ásia Oriental.
Na China, o local da antiga sede da Unidade 731 em Pingfang foi transformado em um museu, que tem um papel significativo na formação da memória histórica da guerra na China e continua a ser uma fonte de tensão nas relações sino-japonesas.
Após a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional estabeleceu várias convenções e protocolos para evitar que tais atrocidades acontecessem novamente. O Código de Nuremberg, estabelecido em 1947, definiu padrões éticos para experimentação humana. Da mesma forma, a Convenção sobre Armas Biológicas de 1972 proíbe o desenvolvimento, produção e armazenamento de armas biológicas.