Em 1963, Randy Gardner, um jovem de 17 anos dos Estados Unidos, embarcou em um experimento para quebrar o recorde mundial do maior tempo acordado. Junto com seu amigo de escola Bruce McAllister, Gardner tinha como objetivo testar os limites da resistência humana para o projeto da feira de ciências de sua escola. A decisão sobre quem ficaria acordado foi feita por um lançamento de moeda, que Gardner perdeu, obrigando-o a permanecer sem dormir, enquanto McAllister ficou acordado em solidariedade para monitorar a condição de seu amigo.
O experimento atraiu a atenção do Dr. William Dement, um pesquisador de sono de Stanford, e do Tenente Comandante John J. Ross, um médico da Marinha dos EUA, que observaram o estudo para documentar os efeitos da privação prolongada de sono. Nos primeiros dias do experimento, Gardner começou a exibir sinais notáveis de privação de sono, incluindo dificuldades com a fala, como observado em suas lutas com trava-línguas.
À medida que os dias sem dormir progrediam, a condição de Gardner piorava, experimentando mudanças de humor, dificuldades de concentração, perda de memória de curto prazo, paranoia e alucinações. Apesar desses desafios, atividades físicas como basquete e boliche eram usadas para mantê-lo acordado, com Dement observando que Gardner adormeceria imediatamente se fechasse os olhos.
Notavelmente, Gardner conseguiu ficar acordado por mais de 11 dias, totalizando 264,4 horas. Ao concluir o experimento, ele dormiu por 14 horas seguidas e relatou ter acordado sem se sentir atordoado. No entanto, os efeitos de longo prazo desse experimento de privação de sono se tornaram aparentes na vida posterior de Gardner. Ele sofreu de insônia e atribuiu seus problemas de sono ao experimento extremo realizado durante sua adolescência. Gardner refletiu sobre o impacto do experimento, afirmando: “Eu era horrível de se conviver. Tudo me irritava. Era como uma continuação do que fiz há 50 anos.”
Esse caso permanece um ponto de referência significativo nos estudos do sono, ilustrando as severas consequências da privação extrema de sono nas funções cognitivas e na saúde mental a longo prazo.
Os efeitos da privação do sono
Ao longo dos dias de privação do sono, os efeitos negativos sobre o corpo e a mente se intensificam. Após 24 horas sem dormir, as pessoas geralmente apresentam dificuldades cognitivas, como problemas de concentração e memória. A coordenação motora também é afetada, tornando atividades simples, como caminhar e falar, mais difíceis. Estudos mostram que após 36 horas, a capacidade de tomar decisões racionais diminui significativamente, e o risco de acidentes aumenta drasticamente.
Com 48 horas de privação de sono, a situação se agrava. Nessa fase, é comum que os indivíduos experimentem episódios de microsleeps, pequenos períodos de sono que duram apenas alguns segundos, mas ocorrem sem aviso. Esses episódios podem ser extremamente perigosos, especialmente se a pessoa estiver realizando atividades que exigem atenção contínua, como dirigir. Além disso, o sistema imunológico começa a ser comprometido, tornando o corpo mais suscetível a infecções e doenças.
Ao alcançar 72 horas sem dormir, os efeitos começam a incluir sintomas graves como alucinações e paranoia. A percepção da realidade fica distorcida, e a pessoa pode ter dificuldades em distinguir entre o que é real e o que é imaginário. A essa altura, o funcionamento cognitivo está gravemente prejudicado, afetando todas as áreas do desempenho mental. Estudos indicam que a privação extrema de sono pode levar a um estado de quase psicose, onde a mente não consegue processar informações de maneira coerente.
Além dos efeitos imediatos, a privação de sono prolongada pode ter consequências duradouras na saúde. A falta de sono crônica está associada a uma série de problemas de saúde, incluindo hipertensão, diabetes, obesidade e doenças cardíacas. Também afeta negativamente a saúde mental, contribuindo para o desenvolvimento de depressão, ansiedade e outros transtornos psicológicos. Portanto, o caso de Randy Gardner nos alerta sobre os perigos de ignorar a necessidade fundamental do sono para o bem-estar geral e a saúde humana.