Pela primeira vez na história, cientistas conseguiram registrar a atividade cerebral de um ser humano durante o processo de morte. Os dados, coletados por pesquisadores dos Estados Unidos, oferecem um vislumbre fascinante do que pode ocorrer no cérebro nos instantes finais de vida. O estudo, publicado na revista Frontiers in Ageing Neuroscience, analisou o caso de um paciente de 87 anos que faleceu durante um exame de rotina para monitorar crises epilépticas.
O homem, que sofria de epilepsia há anos, estava conectado a um eletroencefalograma (EEG) — um exame que mede as ondas cerebrais por meio de sensores no couro cabeludo. Durante o procedimento, ele teve um ataque cardíaco inesperado, o que permitiu que os cientistas registrassem a atividade de seu cérebro nos 15 minutos seguintes à parada do coração. O resultado foi uma sequência de padrões neurológicos nunca antes observada em humanos.
Memórias em Câmera Lenta? O Papel das Oscilações Gama
A análise do EEG revelou um aumento intenso nas chamadas oscilações gama, um tipo de onda cerebral associado a funções complexas, como percepção, memória, emoção e consciência. Essas ondas são fundamentais para a comunicação entre diferentes áreas do cérebro e estão ligadas a processos como a recuperação de lembranças e a formação de pensamentos. De acordo com o Dr. Ajmal Zemmar, neurocirurgião e principal autor do estudo, o padrão observado sugere que o cérebro pode estar revivendo memórias importantes nos momentos que antecedem a morte.
“As oscilações gama estão diretamente relacionadas à recuperação de memórias. É possível que, diante da morte, o cérebro ative uma espécie de ‘replay’ de eventos marcantes da vida, semelhante ao que é descrito em relatos de experiências de quase morte”, explica Zemmar. Essa descoberta levanta questões profundas sobre o momento exato em que a vida termina e como o cérebro processa a transição entre a vida e a morte.
Um Fenômeno Já Visto em Animais, Mas Inédito em Humanos
Estudos anteriores com roedores já haviam identificado mudanças nas ondas cerebrais no momento da morte, mas esta é a primeira evidência concreta em pessoas. Em 2013, pesquisadores da Universidade de Michigan registraram um pico de atividade cerebral em ratos até 30 segundos após a parada cardíaca. No caso do paciente humano, porém, a atividade se estendeu por 15 minutos, revelando um padrão mais complexo e prolongado.
Apesar do avanço, os cientistas ressaltam que o estudo tem limitações. Por se tratar de um único caso, não é possível afirmar que o fenômeno ocorra da mesma forma em todas as pessoas. Além disso, o paciente já tinha lesões cerebrais decorrentes da epilepsia, o que pode ter influenciado os resultados. “Precisamos de mais pesquisas para entender se esse ‘replay’ de memórias é um mecanismo universal ou algo específico a certas condições”, pondera Zemmar.
Implicações Para a Ciência e a Medicina
As descobertas não apenas alimentam a curiosidade sobre os mistérios da morte, mas também têm implicações práticas. Por exemplo, o momento ideal para doação de órgãos pode ser revisto à luz de novos dados sobre a atividade cerebral pós-morte. Atualmente, a definição de morte encefálica — quando não há mais atividade no cérebro — é um critério essencial para a retirada de órgãos. Se estudos futuros confirmarem que certas atividades persistem mesmo após a parada cardíaca, os protocolos médicos poderão ser ajustados.
Enquanto a ciência busca respostas, a pesquisa oferece um vislumbre emocionante sobre os últimos momentos de vida. “É possível que, mesmo com os olhos fechados e aparentemente em repouso, o cérebro de alguém prestes a partir esteja revivendo as memórias mais significativas que acumulou”, reflete Zemmar. A ideia de um “filme da vida” passando diante dos olhos, até então relegada ao campo das especulações, ganha agora um embasamento científico preliminar.
Os próximos passos incluem a análise de outros casos semelhantes e a comparação entre cérebros saudáveis e aqueles com condições neurológicas prévias. Cada novo dado ajudará a desvendar um pouco mais do enigma que acompanha a humanidade desde seus primórdios: o que realmente acontece quando morremos?