Flávio Mendes, um brasiliense de 34 anos, sempre foi um doador de sangue regular. No entanto, após se mudar para Dublin, na Irlanda, descobriu que não poderia mais doar sangue por ser sul-americano. Essa restrição é baseada no risco da doença de Chagas, que é prevalente em alguns países da América do Sul e Central.
Essa regra existe há 25 anos e segue as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre doação de sangue. As diretrizes afirmam que pessoas nascidas na América do Sul ou Central, ou aquelas que têm mãe ou avó materna da região, devem ser excluídas permanentemente da doação de sangue, a menos que um teste certificado de anticorpos T. cruzi esteja disponível.
Flávio achou isso surpreendente e um tanto discriminatório, já que existem testes para detectar a doença de Chagas.
Austrália e Singapura também consideram os sul-americanos inelegíveis para doação de sangue. Em contraste, países como Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Portugal, África do Sul, Canadá e Estados Unidos testam os candidatos para excluir apenas aqueles em risco de doença de Chagas.
Essa doença, descoberta pelo médico brasileiro Carlos Chagas em 1909, é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi (T. cruzi). É transmitida pela picada e contato com as fezes de um inseto conhecido como barbeiro. O parasita pode permanecer no corpo por anos ou até décadas, causando problemas no coração ou em outros órgãos, como o intestino.
O Brasil recebeu um certificado de eliminação da transmissão de T. cruzi em 2006. No entanto, os casos reapareceram em 2018 devido ao consumo de açaí contaminado por fezes de barbeiro. A doença também pode ser transmitida por transfusão de sangue, tornando a triagem de doadores de sangue crucial.
O imunologista Jaime Santana tem estudado a saliva do barbeiro na Universidade de Brasília (UnB) há décadas. Ele acredita que os dados oficiais do governo sobre a doença de Chagas são subestimados e que há subnotificação de casos, pois nem todos os pacientes procuram ajuda médica. Ele enfatiza a necessidade de intensificar as campanhas educacionais e notificar as autoridades quando o barbeiro é identificado.
Santana também acredita que o governo brasileiro deve divulgar dados atualizados sobre a doença de Chagas em todo o mundo e reforçar a confiabilidade dos testes aprovados pela OMS. O teste é barato, custando pouco mais de US$ 1 por unidade. Com pelo menos 150.000 brasileiros vivendo na Irlanda, Austrália e Singapura, testar esses imigrantes poderia beneficiar tanto os países quanto os indivíduos envolvidos.
O próprio Brasil tem restrições a doadores estrangeiros e brasileiros que viveram na Europa por um determinado período devido ao risco da doença da Vaca Louca. A legislação brasileira impede que pessoas que tenham vivido na Europa por cinco anos ou mais entre 1980 e os dias atuais de doarem sangue.
A doença não é detectável em testes sorológicos e pode permanecer inativa no corpo do indivíduo por muitos anos, razão pela qual essa restrição está em vigor para fins de vigilância epidemiológica.