Nas profundezas do nosso planeta, uma complexa dança de elementos revela a natureza dinâmica da Terra, onde as fronteiras entre suas camadas são menos rígidas do que se acreditava anteriormente. Investigações científicas recentes trouxeram à tona interações notáveis entre o núcleo e o manto terrestre, desafiando as concepções tradicionais sobre essas divisões geológicas.
Uma pesquisa de 2020, publicada na revista *Nature Geoscience*, encontrou evidências de migração de material do núcleo para o manto da Terra. O estudo analisou o comportamento de isótopos de ferro em condições extremas que simulam o interior do planeta – temperaturas de até 2.000°C e pressões imensas. “Se for verdade, os resultados sugerem que o ferro do núcleo tem vazado para o manto por bilhões de anos”, explicou Charles Lesher, que liderou o estudo como professor emérito da UC Davis e professor da Aarhus University.
Dada a impossibilidade de obter amostras diretamente de profundidades tão extremas – cerca de 2.900 quilômetros abaixo da superfície –, os cientistas basearam suas descobertas em experimentos sofisticados e modelagem geodinâmica. Os resultados mostraram que os isótopos de ferro se movem de acordo com gradientes de temperatura, com isótopos mais pesados migrando para regiões mais frias. Esse movimento possivelmente permite que o material do núcleo penetre em partes do manto inferior.
A interação entre o núcleo e o manto é apenas um exemplo da mobilidade interna da Terra. Outro achado fascinante envolve o movimento de água da superfície para as regiões mais profundas do planeta, impulsionado por processos tectônicos. Uma pesquisa de 2014 identificou uma presença significativa de ringwoodita na zona de transição do manto, localizada entre 410 e 660 quilômetros abaixo da superfície. Este mineral de coloração azul contém água em uma forma incomum – nem líquida, nem gasosa, nem sólida, mas integrada à sua estrutura cristalina.
As implicações dessa descoberta são impressionantes. Cálculos científicos sugerem que, se apenas 1% das rochas dessa zona de transição do manto contiver H2O na forma de ringwoodita, isso equivaleria a um volume três vezes maior do que o de todos os oceanos da Terra. Isso indica que a maior parte da água do nosso planeta pode, na verdade, estar presa no manto, integrada à estrutura cristalina da ringwoodita.
Essas descobertas nos oferecem uma nova maneira de enxergar a Terra: um planeta em constante transformação. A camada de ferro e níquel líquido do núcleo envolve um centro metálico sólido, formando um sistema complexo de troca de materiais. A migração de isótopos de ferro do núcleo, combinada com a presença de minerais que contêm água nas profundezas do manto, demonstra a notável interconexão dos sistemas internos da Terra.
O movimento de materiais entre as camadas da Terra continua sem interrupção, desde o núcleo mais profundo até o manto superior. Essa troca incessante molda a composição interna do nosso planeta e influencia seus processos geológicos. Embora esses movimentos ocorram muito além do alcance da observação humana, seus efeitos contribuem para a contínua evolução da estrutura interna da Terra.