A morte. Um tema que, inevitavelmente, nos intriga e até nos assombra. O que realmente acontece dentro de nossas cabeças quando chegamos ao fim da linha? Será que aquela velha ideia de que “a vida passa diante dos olhos” tem algum fundo de verdade? Graças a um evento extraordinário e uma pesquisa científica cuidadosa, estamos começando a ter pistas fascinantes sobre esses momentos finais.
Tudo começou de maneira completamente inesperada. Um senhor de 87 anos, que lutava contra a epilepsia, passava por exames de rotina em um hospital na Estônia. Esses exames usavam a eletroencefalografia, ou EEG, uma técnica que registra a atividade elétrica do cérebro através de sensores colocados no couro cabeludo.
O objetivo era monitorar e detectar crises epilépticas. Infelizmente, durante uma dessas sessões de monitoramento, o paciente sofreu um ataque cardíaco fulminante e não resistiu.
Porém, essa tragédia pessoal proporcionou uma oportunidade científica única e raríssima. Os aparelhos de EEG estavam gravando ativamente a atividade cerebral do paciente nos momentos exatos que antecederam sua morte e continuaram a registrar durante e após a parada cardíaca. Foram capturados dados preciosos de aproximadamente 30 segundos antes e depois do coração parar de bater.
Uma equipe de pesquisadores, incluindo o neurocirurgião Dr. Ajmal Zemmar, então radicado em Vancouver, Canadá, analisou minuciosamente esses registros cerebrais. O que eles descobriram, publicado em 2022 na revista científica Frontiers in Aging Neuroscience, foi surpreendente e trouxe um novo entendimento sobre os instantes finais.
A análise revelou um aumento significativo em um tipo específico de onda cerebral chamada de oscilação gama. Essas ondas cerebrais são normalmente associadas a funções cognitivas complexas e altamente ativas.
Sabemos que as oscilações gama desempenham um papel crucial em processos como a concentração intensa, a resolução de problemas, a meditação profunda e, de forma muito relevante para esta descoberta, na recuperação de memórias e no ato de sonhar.
Em outras palavras, nos segundos que antecederam a morte desse paciente, seu cérebro apresentou uma atividade elétrica característica de estar acessando e revivendo lembranças. É como se, diante do fim iminente, a mente entrasse em um estado acelerado de recordação. Esse padrão específico de ondas gama foi observado antes em estudos com ratos no momento da morte, mas esta foi a primeira vez que se documentou claramente em um ser humano.
Os pesquisadores levantaram a hipótese intrigante de que esse surto de atividade relacionada à memória poderia ser uma espécie de “reprodução final” de experiências de vida significativas, um fenômeno que ecoa relatos frequentemente descritos em experiências de quase-morte. O Dr. Zemmar, em comunicações sobre o estudo, especulou que, filosoficamente, se o cérebro realmente faz esse flashback, é provável que ele se concentre em eventos positivos e significativos.
É crucial entender que este foi um estudo de caso único. O paciente tinha epilepsia, uma condição que afeta a atividade elétrica cerebral, o que significa que o funcionamento do seu cérebro já era diferente de um cérebro sem essa condição.
Portanto, não podemos afirmar com certeza absoluta que todos os cérebros humanos reagem exatamente da mesma maneira no momento da morte. A presença da epilepsia adiciona uma camada de complexidade à interpretação dos dados.
Apesar dessa limitação, a descoberta é revolucionária. Ela fornece a primeira evidência fisiológica direta, capturada em tempo real, de que o cérebro humano pode realmente entrar em um estado intenso de recordação de memórias nos momentos finais. Isso abre novas e importantes questões para a ciência e para a medicina.
Por exemplo, o entendimento preciso de quando a atividade cerebral relacionada à consciência realmente cessa tem implicações profundas em áreas sensíveis como a definição de morte encefálica e os protocolos de doação de órgãos.
A pesquisa continua. Cientistas precisam de mais casos e estudos controlados para confirmar e expandir essas descobertas iniciais. Mas esse evento fortuito, capturado por um equipamento médico durante um momento trágico, ofereceu uma janela inédita para um dos maiores mistérios da existência humana: o que se passa em nossa mente enquanto ela se despede da vida. Cada nova informação nos aproxima um pouco mais de compreender essa última e fundamental experiência.