No mundo do cinema, alguns filmes caem no esquecimento, enquanto outros resistem ao teste do tempo. “Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror”, lançado em 1922, é um exemplo notável do segundo caso. Este filme de terror silencioso alemão não apenas sobreviveu por mais de um século, mas também deixou uma marca na mitologia dos vampiros e na história do cinema.
O Nascimento de um Clássico do Horror
Em 4 de março de 1922, “Nosferatu” estreou no Jardim Zoológico de Berlim. Nove dias depois, chegou aos cinemas alemães, cativando o público com seu conto aterrorizante do Conde Orlok, um monstro sugador de sangue interpretado pelo enigmático Max Schreck. O filme foi produzido pela Prana Film, um pequeno estúdio alemão que fazia sua estreia no mundo do cinema.
Embora “Nosferatu” não tenha sido o primeiro filme de vampiro já feito, ele detém a distinção de ser, talvez, o mais antigo que sobreviveu. Esse fato é particularmente irônico, dados os conflitos legais e as ordens de destruição que seguiram seu lançamento.
Uma Controvérsia de Direitos Autorais
A trama de “Nosferatu” tem uma semelhança marcante com o romance de 1897 de Bram Stoker, “Drácula”. Essa semelhança não foi coincidência – a Prana Film essencialmente adaptou o trabalho de Stoker sem obter a devida permissão. O estúdio mudou os nomes dos personagens e alguns cenários, mas manteve a história principal intacta.
Essa adaptação não autorizada não passou despercebida. Florence Stoker, viúva de Bram e executora literária, recebeu um programa da estreia em Berlim e anúncios apresentando o Conde Orlok. Percebendo a violação dos direitos autorais de seu falecido marido, ela tomou medidas legais contra a Prana Film.
A Batalha Legal e a Ordem de Destruição de Nosferatu
Florence Stoker venceu seu processo, mas a Prana Film já havia declarado falência e não podia pagar os danos. Os procedimentos legais se arrastaram por anos até 1925, quando um tribunal alemão ordenou que todos os negativos e cópias de “Nosferatu” fossem destruídos.
No entanto, destruir cada cópia do filme provou ser uma tarefa impossível. Quando o tribunal emitiu sua decisão, “Nosferatu” já havia se espalhado além das fronteiras da Alemanha. Cópias haviam chegado a outros países europeus e até mesmo atravessado o Atlântico para os Estados Unidos.
O Vampiro que se Recusou a Morrer
Apesar dos melhores esforços de Florence Stoker para erradicar o filme, “Nosferatu” continuou a ressurgir. Em outubro de 1925, ela soube de uma exibição planejada pela Film Society em Londres. Após uma série de pedidos de cessação e desistência, a sociedade concordou em entregar sua cópia, que foi presumivelmente destruída em abril de 1929.
Mas isso era apenas a ponta do iceberg. Cópias ilegais de “Nosferatu” continuaram a aparecer em vários países. Em 1929, exibições foram realizadas em Nova York, Detroit e Washington, D.C. Até a Universal Pictures, que mais tarde produziria o filme autorizado “Drácula” estrelado por Bela Lugosi em 1931, adquiriu uma cópia ilegal de “Nosferatu”.
Recepção Crítica e Apelo Duradouro
Curiosamente, as críticas americanas iniciais de “Nosferatu” foram amplamente negativas. Os críticos acharam a trama confusa e as performances fracas, com exceção da interpretação de Max Schreck como Conde Orlok. O New York Daily News descreveu o filme como “confuso e desordenado”, mas reconheceu seu “estranhamento extremo” e “fotografia incomum”.
Vale a pena notar que essas exibições americanas iniciais podem não ter mostrado a versão original de “Nosferatu”. Alguns historiadores acreditam que uma recorte de 1929 com imagens adicionais e nomes de personagens alterados pode ter sido circulada.
Apesar das críticas mistas, “Nosferatu” continuou a cativar o público. Após a morte de Florence Stoker em 1937, mais cópias ilegais surgiram, e o filme acabou sendo exibido na televisão. Na década de 1950, fãs de terror que haviam crescido com os filmes de vampiros da Universal estavam ansiosos para experimentar este clássico silencioso.
O Impacto Duradouro de Nosferatu na Mitologia dos Vampiros
Hoje, “Nosferatu” é amplamente considerado uma obra-prima do cinema inicial e uma peça fundamental da mitologia dos vampiros. Embora nenhuma cópia original única exista, preservacionistas de filmes reuniram fragmentos de várias fontes para criar uma versão que se aproxima do original de 1922.
A influência de “Nosferatu” pode ser vista em inúmeras obras temáticas de vampiros em várias mídias. Desde a refilmagem de Werner Herzog em 1979, “Nosferatu the Vampyre”, até “Drácula de Bram Stoker”, de Francis Ford Coppola, em 1992, o estilo visual e a atmosfera do filme original continuam a inspirar cineastas. Seu impacto se estende a séries de televisão como “What We Do in the Shadows” e “‘Salem’s Lot”, de Stephen King, demonstrando o poder duradouro da grotesca figura do Conde Orlok.
Hoje, graças ao seu status de domínio público nos Estados Unidos, “Nosferatu” está disponível gratuitamente em plataformas como o YouTube, permitindo que novas gerações de espectadores experimentem essa obra-prima centenária. A jornada do filme, da quase extinção à acessibilidade generalizada, mostra a resiliência da arte e a dedicação daqueles que trabalham para preservar nosso patrimônio cultural.