Em outubro de 2022, Virginia McCullough, então com 36 anos, recebeu uma sentença de pelo menos 36 anos de prisão. Seu crime? Assassinar os próprios pais, John, de 70 anos, e Lois, de 71. O caso, ocorrido na pacata vila de Great Baddow, em Essex, Reino Unido, ganhou dimensões ainda mais perturbadoras quando se descobriu que Ginny conviveu com os corpos dos pais dentro de casa por quatro anos inteiros.
Os crimes aconteceram em 2019. John foi envenenado. Lois morreu de forma brutal, espancada com um martelo. A frieza de Ginny surpreendeu até os policiais que a prenderam. “Animem-se”, disse ela na ocasião. “Pelo menos prenderam a bandida!”
Mas como alguém consegue viver anos com os cadáveres dos próprios pais? Ginny encontrou métodos macabros. O corpo de Lois foi escondido dentro de um saco de dormir e trancado em um armário, com fita adesiva vedando as aberturas.

Lois foi morta a facadas, enquanto John foi envenenado por Ginny (Polícia de Essex)
A justificativa sinistra da assassina? “Para os vermes não entrarem”. O pai, John, recebeu um “mausoléu” improvisado, construído com blocos de concreto e coberto por mantas, dentro da casa que um dia abrigou a família.
A Descoberta e a Vida em Duplicidade
Os vizinhos só perceberam que algo estava errado muito tempo depois. Durante os anos de pandemia e lockdown, Ginny aparecia sozinha nas ruas da vila. Quando questionada sobre o paradeiro dos pais, ela tinha uma resposta pronta: eles haviam se mudado. Paul Hastings, dono do mercado local, Alan Thomson, comerciante, e as floristas Debbie e Rachel, todos conviveram normalmente com Ginny nesse período. Ninguém suspeitou.
“Talvez eu devesse ter perguntado mais”, refletiu Alan Thomson depois. “Mas você não imagina que está conversando com uma assassina.” Essa dupla vida de Ginny é um dos focos do documentário “Confissões de um Assassino de Pais”, da Paramount+, que trouxe à tona uma carta escrita pela própria criminosa, revelando suas motivações.
O corpo de John foi escondido em uma tumba improvisada (Polícia de Essex)
A Infância Marcada e os Relatos de Abuso
Na carta, Ginny pinta um quadro sombrio da sua relação com os pais. Ela descreve uma infância permeada por abuso emocional. Sentia-se “presa emocionalmente” e excluída de uma família que classificava como “fria demais”. Relata episódios de violência física, como palmadas por molhar a cama, entre os 5 e os 10 anos de idade.
As consequências vieram rápido. Na escola primária, os colegas notavam sua aparência descuidada. “As crianças percebiam que eu parecia desarrumada e estranha. Alguns dias estava suja, outros tinha detergente escorrendo do cabelo preso em rabo de cavalo”, escreveu. O apelido cruel que ganhou refletia essa negligência: “Ginny Germes, sem retorno”. A dúvida a atormentava: “Será que meus pais me amavam? Eu era um fardo?”.
A humilhação, segundo ela, continuou na adolescência. Ginny afirma que nunca recebeu aprovação ou elogios dos pais, apenas críticas por seu desempenho escolar. Posicionou-se como um “amortecedor” entre o alcoolismo do pai e os problemas de saúde mental da mãe, sofrendo abusos de ambos.
O Ambiente Familiar Explosiv
Os relatos de Ginny apontam para um lar disfuncional. Ela descreve John como um alcoólatra pesado. Lois, sua mãe, teria transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) severo. “Às vezes minha mãe gritava insultos durante a noite ou dizia que queria que eu estivesse morta. Era difícil acalmá-la ou raciocinar com ela, e meu pai recorria a beber mais”, detalhou na carta.
ScreenshotGinny, ao ser presa em 2023, “confessou imediatamente” (Polícia de Essex)
Especialistas, como um psiquiatra citado no documentário, sugerem que Ginny pode ter sofrido negligência infantil e abuso emocional reais. Essas experiências, segundo a análise, poderiam ter gerado um profundo ressentimento. Uma amiga de infância chegou a sentir que “algo terrível” aconteceu naquela casa, embora Ginny evitasse dar detalhes. Ela escreveu de forma ameaçadora: “Não vou entrar em todos os detalhes, por tudo o que aconteceu… o que meu pai fez”.
O Estopim e o Crime Calculado
Os meses anteriores aos assassinatos foram descritos por Ginny como insuportáveis. A crueldade emocional da mãe aumentava, com Lois supostamente chamando-a de “inútil”. A toxicidade do alcoolismo do pai piorava. “A noite era meu único refúgio, e mesmo assim eu chorava e me sentia sem esperança”, confessou.
Foi então que surgiu o desejo que a levou ao crime extremo: “Cheguei a um ponto onde não queria nada mais do que uma vida normal e tranquila, quase a qualquer custo”. Esse anseio por uma “vida tranquila” se tornou a justificativa central para o duplo homicídio.
O envenenamento do pai foi seguido pela tentativa fracassada de usar o mesmo método na mãe. Diante da falha, Ginny planejou meticulosamente. Com luvas, uma faca e um martelo em mãos, atacou Lois enquanto ela dormia profundamente. A própria assassina comparou os golpes a “alguém tocando xilofone mal”.
A Vida com os Mortos e a Fraude
Paradoxalmente, Ginny afirmou ter encontrado a tão desejada “tranquilidade” *após* os assassinatos. Com os pais mortos, a casa ficou livre do abuso mental e do álcool. Ela sentiu, pela primeira vez, uma sensação de “viver normalmente e em silêncio”. Essa paz macabra durou quatro anos.
Para sustentar a farsa e evitar suspeitas, Ginny teceu uma complexa teia de mentiras. Marcava consultas médicas falsas em nome dos pais. Atendia telefonemas dos irmãos fingindo ser a própria mãe, alterando a voz. Essa habilidade para a mentira patológica seria depois apontada pelos tribunais como uma de suas características.
A motivação financeira também emergiu. O tribunal revelou que Ginny desviou mais de 150 mil libras esterlinas (aproximadamente 1 milhão de reais) das pensões dos pais. Ela alegou ter dívidas de jogo no valor de 48 mil libras (cerca de 320 mil reais). A acusação sustentou que o ganho financeiro foi um fator crucial. Ginny, porém, tentou justificar os saques, afirmando que não gastou o dinheiro em “férias, veículos, itens de designer ou qualquer coisa sofisticada”.
Ginny disse que chegou a sentir “conforto” com a morte deles (Polícia de Essex)
A Sentença e as Questões Psicológicas
Durante o julgamento, especialistas apontaram tendências psicopáticas e um padrão de mentira patológica em Ginny. Após a condenação, ela fez uma declaração contundente: “Acredito que mereço prisão perpétua”.
E acrescentou que nem mesmo isso seria “punição suficiente para aliviar minha culpa ou remorso, mesmo que minimamente”. “Cometi tantos erros na minha vida através de enganos, segredos e autossabotagem. O pior de todos é o crime de ter matado meus pais”, concluiu.
Os especialistas que analisaram seu caso, incluindo os envolvidos no documentário, lançaram dúvidas sobre a sinceridade de sua carta. Eles sugerem que o relato dos abusos poderia ser mais uma tática manipuladora de Ginny, uma tentativa calculada de gerar simpatia e controlar a narrativa sobre seus crimes monstruosos.
A carta, portanto, permanece como um documento perturbador, seja como um grito de dor genuíno ou como o último ato de uma mentirosa compulsiva. O caso continua a ecoar, um lembrete sombrio do que pode se esconder atrás das portas fechadas de uma vila tranquila.