Em 2024, a médica Bita Farrell chamou atenção ao se transformar em sua própria “cobaia” em um experimento incomum. Ela aplicou Botox em apenas um lado do rosto e documentou os efeitos em tempo real, oferecendo um vislumbre claro de como a toxina botulínica age no organismo. O caso reacendeu discussões sobre os riscos e benefícios desse procedimento, amplamente usado não só na medicina, mas também como recurso estético para suavizar marcas de expressão.
Conhecido popularmente pelo nome comercial Botox, o botulinum toxin é uma neurotoxina que bloqueia temporariamente a comunicação entre nervos e músculos. Quando injetado, impede que as fibras musculares se contraiam, reduzindo rugas e linhas de expressão. O efeito, porém, dura em média de três a seis meses, exigindo aplicações regulares para manter os resultados. Além do uso cosmético, a substância tem aplicações médicas reconhecidas, como tratamento para enxaquecas crônicas, espasmos musculares e hiperidrose (sudorese excessiva).
Os efeitos imediatos do experimento de Farrell foram visíveis: o lado tratado perdeu a capacidade de movimentação, enquanto o não injetado mantinha expressões naturais. Em vídeos divulgados nas redes sociais, ela destacou como músculos específicos, como o platisma (na região do pescoço) e o DAO (depressor do ângulo da boca), continuavam ativos no lado não tratado, alterando a simetria do rosto. A médica também relatou dificuldades para movimentar o lado com Botox, mesmo ao tentar forçar expressões.
Embora muitas pessoas busquem o procedimento sem complicações, os efeitos colaterais são uma realidade. Segundo a Mayo Clinic, entre as reações mais comuns estão dor local, inchaço, hematomas e dores de cabeça. Em casos menos frequentes, podem ocorrer pálpebras caídas, sobrancelhas assimétricas, olhos secos ou lacrimejantes e até infecções no local da aplicação. Alterações na fala, sorriso torto ou dificuldade para engolir também foram relatados em situações específicas.
Um alerta recente do Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC) trouxe à tona riscos mais graves. Em abril de 2024, 22 mulheres entre 25 e 59 anos tiveram reações adversas após aplicações de toxina botulínica adulterada ou manipulada incorretamente. Onze foram hospitalizadas, e seis precisaram de antitoxina devido ao risco de botulismo — condição em que a toxina se espalha pelo corpo, paralisando músculos respiratórios e podendo levar à morte. Sintomas como visão dupla, fadiga extrema, dificuldade para respirar e fraqueza muscular foram observados. Investigadores destacaram que todas as vítimas receberam injeções em ambientes não médicos, aplicadas por pessoas sem qualificação.
Quanto aos efeitos a longo prazo, um estudo de 2023 liderado por pesquisadores da University College London (UCL) entrevistou 1.300 pacientes que usaram Botox. Do total, 69% relataram sequelas persistentes, como ansiedade, dores de cabeça e desconforto físico. Além disso, alterações permanentes na expressão facial foram observadas em usuários frequentes. Os músculos, paralisados repetidamente, podem sofrer atrofia — processo semelhante ao que ocorre em membros imobilizados por longos períodos. “Se você não usa seus músculos abdominais por anos, eles enfraquecem. Com o Botox, é a mesma lógica: o músculo paralisado perde força gradualmente”, explicou o pesquisador Afshin Mosahebi.
Apesar da popularidade — mais de três milhões de aplicações são feitas anualmente —, ainda há lacunas no entendimento sobre os impactos prolongados. A maioria dos ensaios clínicos dura apenas seis meses, período insuficiente para avaliar consequências de décadas de uso. Além dos efeitos físicos, o estudo da UCL apontou impactos psicológicos em casos de procedimentos mal-sucedidos, incluindo baixa autoestima e arrependimento.
Diante dos riscos, especialistas reforçam a importância de buscar clínicas certificadas e profissionais qualificados. A toxina botulínica é considerada segura quando aplicada em doses controladas e em ambientes esterilizados. No entanto, a busca por preços baixos e a proliferação de produtos falsificados aumentam os perigos. A médica Michelle Waltenburg, do CDC, enfatiza: “Investigações continuam em curso, mas a mensagem é clara: procedimentos estéticos exigem tanto cuidado quanto tratamentos médicos”.
Enquanto a discussão evolui, o experimento de Farrell segue como um material educativo valioso. Suas imagens mostram, de forma prática, como a substância altera a dinâmica muscular — um convite à reflexão sobre os limites entre a estética e a saúde.