“Menino da bolha” passou a vida em câmaras plásticas e não podia interagir com o mundo exterior até morrer aos 12 anos “Menino da bolha” passou a vida em câmaras plásticas e não podia interagir com o mundo exterior até morrer aos 12 anos

por Lucas Rabello
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Em 1971, no estado do Texas, nos Estados Unidos, nasceu David Vetter. Sua chegada ao mundo foi acompanhada por uma profunda preocupação médica. David veio ao mundo com uma condição rara e grave chamada Imunodeficiência Combinada Grave (SCID).

Essa doença genética significa que o sistema imunológico da pessoa praticamente não funciona. O corpo fica completamente indefeso contra bactérias, vírus e fungos comuns, transformando qualquer infecção, por mais simples que pareça para a maioria das pessoas, em uma ameaça mortal.

Os pais de David, Carol Ann e David Joseph Vetter, já conheciam muito bem essa terrível condição. Eles haviam perdido um filho anterior, também um menino, apenas sete meses após o nascimento, vítima da mesma SCID. Os médicos informaram ao casal que qualquer outro filho homem que tivessem teria uma chance significativa de herdar a doença. Quando David nasceu, o diagnóstico foi confirmado rapidamente.

Naquela época, o único tratamento potencialmente curativo conhecido para a SCID era um transplante de medula óssea. Mas esse transplante exigia um doador com compatibilidade perfeita, geralmente um irmão ou irmã. Infelizmente, os testes mostraram que a irmã de David, Katherine, não era compatível o suficiente. Sem um doador ideal e sem outras opções terapêuticas disponíveis, os médicos e os pais de David tomaram uma decisão radical para tentar mantê-lo vivo: ele viveria em um ambiente completamente isolado do mundo exterior.

“Menino da bolha” passou a vida em câmaras plásticas e não podia interagir com o mundo exterior até morrer aos 12 anos

Mais de $ 1 milhão foi gasto ao todo para manter o menino vivo por 12 anos.

David entrou em seu primeiro ambiente esterilizado – uma câmara plástica transparente – com apenas 20 segundos de vida. Essa bolha de plástico seria seu mundo por muitos anos. Tudo o que entrava em contato com ele precisava passar por um rigoroso processo de esterilização.

Comida, água, roupas, fraldas, brinquedos, livros – cada item era meticulosamente limpo, frequentemente com produtos químicos fortes e vapor, um processo que podia levar vários dias. Até mesmo o ar que ele respirava passava por filtros especiais para remover qualquer partícula potencialmente perigosa.

David passou seus primeiros anos em uma bolha especial dentro do hospital. Conforme foi crescendo, sua bolha “cresceu” com ele. Os médicos e sua família se esforçaram para dar a ele uma vida o mais normal possível dentro das limitações extremas. Ele tinha uma televisão dentro da câmara. Uma sala de brinquedos foi construída dentro de um ambiente maior esterilizado.

Mais tarde, uma bolha maior e mais sofisticada foi instalada na casa de seus pais, permitindo que ele morasse com a família. A mãe de David, Carol Ann, expressou a perspectiva da família: “Como pais de uma criança afetada, a única coisa que tínhamos sob controle era garantir que David recebesse o melhor cuidado possível. Confiávamos em nossos médicos. Éramos gratos pela bolha; a bolha era a única opção de tratamento disponível para David na época. Se não fosse pela bolha, não o teríamos tido por 12 anos. Nossos objetivos eram manter David seguro, trazer o mundo exterior para dentro e garantir que ele se sentisse amado”.

Para oferecer a David um pouco mais de liberdade, a NASA, famosa por sua tecnologia de ambientes controlados para o espaço, projetou um traje especial para ele. Era essencialmente uma bolha portátil, conectada por tubos ao sistema de filtragem de ar da bolha principal. Esse traje permitia que David saísse fisicamente da câmara estacionária e explorasse brevemente o mundo exterior, como passear pelo jardim de casa ou visitar outro cômodo.

No entanto, o próprio David ficava apreensivo com os riscos. Relatos indicam que ele usou o traje especial da NASA apenas seis vezes, preocupado que germes pudessem penetrar mesmo através da proteção complexa. Um veículo especial, também uma espécie de câmara de transporte, permitia que ele fosse levado com segurança entre o hospital e a casa da família.

A NASA fez um traje para que David pudesse sair da bolha, mas ele o usou apenas algumas vezes

A NASA fez um traje para que David pudesse sair da bolha, mas ele o usou apenas algumas vezes

Em 1981, David passou a viver em tempo integral na bolha instalada na casa dos pais. A vida seguia dentro de seus limites plásticos. Então, em 1983, surgiu uma nova esperança. Avanços na medicina sugeriam que transplantes de medula óssea de doadores parcialmente compatíveis poderiam ter sucesso. A irmã de David, Katherine, embora não fosse uma combinação perfeita, era a melhor candidata disponível. A decisão foi tomada: David receberia um transplante da medula de sua irmã.

No dia 21 de outubro de 1983, David Vetter recebeu aproximadamente 56 mililitros de medula óssea de Katherine. A esperança era que essas células saudáveis se estabelecessem em seu corpo e começassem a produzir um sistema imunológico funcional, libertando-o finalmente da bolha. Após o procedimento, David precisou permanecer sob observação intensiva. A ansiedade era grande, mas os primeiros dias não mostraram sinais de rejeição imediata.

Tragicamente, uma ameaça invisível havia sido introduzida. O vírus Epstein-Barr (EBV), comum e geralmente inofensivo em pessoas com imunidade normal, estava presente de forma latente na medula de Katherine. Os testes de triagem da época não conseguiam detectar esse vírus específico. No corpo de David, completamente indefeso, o vírus encontrou o cenário ideal. Ele se espalhou rapidamente e de forma descontrolada. O resultado foi o desenvolvimento de centenas de tumores malignos – um linfoma fulminante.

David Vetter, de 12 anos, foi informado sobre um tratamento que poderia permitir que ele saísse da bolha, mas que acabou tirando sua vida

David Vetter, de 12 anos, foi informado sobre um tratamento que poderia permitir que ele saísse da bolha, mas que acabou tirando sua vida

O estado de David deteriorou-se rapidamente. Em 7 de fevereiro de 1984, após mais de 12 anos vivendo em isolamento protetor, David foi retirado de sua bolha pela última vez. Seus pais puderam segurá-lo em seus braços, sem barreiras, pela primeira vez desde seus primeiros segundos de vida. Quinze dias depois, em 22 de fevereiro de 1984, David Vetter faleceu, aos 12 anos de idade.

Sua história única de resiliência, amor familiar e os limites da medicina da época deixou uma marca profunda. Em 1990, uma escola primária no Texas recebeu seu nome. Sua vida inspiradora e trágica também serviu de base para várias produções de cinema e televisão, popularizando o termo “bubble boy” e levando a conscientização sobre a SCID para o público em geral.

Fundador do portal Mistérios do Mundo (2011). Escritor de ciência, mas cobrindo uma ampla variedade de assuntos. Ganhou o prêmio influenciador digital na categoria curiosidades.
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