Ao longo da história da medicina, diversas práticas lamentáveis foram utilizadas para tentar de alguma forma tratar os mais diversos tipos de enfermidades. A lobotomia, realizada em pacientes com certos tipos de patologias mentais, certamente está entre as piores.
Tratava-se de um procedimento relativamente simples para um cirurgião, mas suas consequências podiam ser devastadoras. Em um primeiro momento, era administrada uma anestesia local, o que deixava o paciente acordado durante toda a cirurgia, ainda que sem sentir. A partir do momento em que o médico tinha certeza que a anestesia havia funcionado, ele posicionava uma ferramenta de aço extremamente afiada, com cerca de sete polegadas, em um ponto logo abaixo da pálpebra, contra o osso de cima da órbita ocular. Com a ajuda de um martelo, o médico perfurava o osso, passando pela ponte nasal e conseguindo acesso ao cérebro.
O objetivo era fazer um corte na substância branca que liga o córtex pré-frontal (responsável pela tomada de decisões e pela sua personalidade) e o resto do cérebro. Isso podia levar algo em torno de dez minutos, mas os resultados posteriores durariam a vida inteira.
O principal médico responsável pela popularização da lobotomia transorbital (e também por colocá-la em prática na maioria das vezes) era Walter Freeman, uma espécie showman da medicina da época. Tanto ele como o seu infame procedimento acabaram entrando para sempre na história da humanidade.
Dr. Walter Freeman, esquerda, e Dr. James W. Watts estudam uma radiografia antes de uma psicocirurgia | Domínio público
Ao todo, estima-se que Walter Freeman tenha realizado mais de 3400 lobotomias entre os anos de 1930 e 1960. Cerca de 14% dos pacientes que passavam por esse procedimento acabavam morrendo, mas nem isso foi capaz de frear a popularidade que a técnica ganhou nos anos 40, principalmente nos Estados Unidos. Walter, no entanto, não era o único médico a oferecer esse tratamento. Justamente por isso, o número de pessoas que passaram pela lobotomia ultrapassa os 50 mil nos Estados Unidos, e na Europa o número não fica muito longe disso.
Alguns cirurgiões inclusive desenvolveram outros métodos de eliminar a substância branca do cérebro, como por exemplo perfurando o crânio e injetando álcool. Outros ainda utilizavam uma outra ferramenta, que possuía um tipo de arame em laço, capaz de retirar o tecido cerebral com mais facilidade. Esses dois métodos foram os mais utilizados por outro médico infame da época, Antônio Egas Moniz, português tido como o criador da chamada “lobotomia moderna”, em 1935.
NYTimes
Mas talvez o pior de tudo no que diz respeito à lobotomia, além do procedimento em si, era a forma como ele era indicado. Os médicos indicavam a lobotomia para pacientes com os mais variados tipos de problemas, desde depressões leves até a ansiedade e distúrbios psiquiátricos mais severos, como a esquizofrenia e o distúrbio bipolar. De modo geral, bastava que a pessoa tivesse algum quadro visível de enfermidade mental para que ela fosse potencialmente encaminhada para a lobotomia.
Tamanha a popularidade da lobotomia na época, Moniz recebeu um Prêmio Nobel em 1949 por suas descobertas e pesquisas. Entretanto, isso acabou tendo um efeito controverso, motivando muitas pessoas a questionar os reais efeitos do procedimento, já que apesar da técnica realmente “acalmar” as mentes mais ansiosas e agitadas, as coisas normalmente fugiam do controle. Howard Dully, escritor que passou por um procedimento de lobotomia em 1960, quando tinha 12 anos, escreveu um livro sobre a sua experiência em 2007. Nele, ele conta um pouco sobre como se sentiu após a cirurgia.
Egas Moniz | Domínio público
“Eu fiquei em um estado de nevoeiro mental. Eu era como um zumbi”, resumiu, citando uma sensação que era observada em muitos pacientes. Para alguns, esse “desconforto” durava algum tempo, mas para outros ela simplesmente nunca ia embora.
Um dos casos mais famosos que ajudam a exemplificar os malefícios da lobotomia é o de Rosamary Kennedy, irmã de John F. Kennedy, que sofria com problemas de desenvolvimento desde o seu nascimento. Por conta de um complicação durante o parto, a garota passou duas horas dentro do canal do parto, sem oxigênio suficiente, o que acabou lhe causando transtornos para toda a vida. Submetida ao processo de lobotomia, Rosemary chegou a viver até os 86 anos, mas desde os seus 26 ela passou por várias instituições médicas, vivendo em uma espécie de “sombra” daquilo que ela um dia realmente foi.
A lobotomia de fato parece ter funcionado em alguns casos, de acordo com registros da época, mas são os casos mais famosos que acabaram por ficar na memória popular, e que ajudaram a incentivar a luta pelo fim desta prática. Quando os protestos começaram a surgir, as principais críticas a este tipo de cirurgia era a simplicidade e a inexatidão. Pouco a pouco, as pessoas passaram a perceber que abrir o crânio de um paciente com um picador de gelo talvez não fosse a melhor forma de tratar os pacientes com problemas de ordem mental.
Em 1967, um paciente faleceu na mesa de operações de Walter Freeman, ampliando a intensidade das críticas e da pressão contra o médico. No mesmo ano, Freeman perdeu a sua licença médica, e tanto a psiquiatria como a psicofarmacologia passaram a não mais recomendar a psicocirurgia.
O fim das cirurgias, no entanto, não significou um ponto final na história da lobotomia, já que ela viria a ser abordada em milhares de obras de ficção, fantasia e até mesmo terror. Até hoje, mais de 50 anos após o fim dos procedimentos, a lobotomia continua presente no imaginário popular.