Depois de ter ficado no chão por mais de mil anos, morto e há muito tempo esquecido, um misterioso esqueleto tornou-se uma figura importante no choque de ciência e ideologias políticas que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Enquanto ele foi usado e abusado como propaganda pelos nazistas, soviéticos e tchecos, a identidade dessa pessoa curiosa tem sido objeto de debate contínuo.
“Ele ficou preso no redemoinho das guerras do século 20 e nas inconstantes ideologias políticas que as acompanharam”, disse o professor Nicholas Saunders, da Universidade de Bristol, no Reino Unido. “Os mortos sempre podem ser armados politicamente, assim como ele foi.”
Mas além da política e da ideologia, quem era ele? Um novo estudo, publicado esta semana na revista Antiquity, procurou descobrir.
O esqueleto foi desenterrado pela primeira vez em julho de 1928, sob o pátio do Castelo de Praga, na Tchecoslováquia, ao lado de um punhado de armas brancas e ferramentas de metal. Foi descoberto por Ivan Borkovský, um ucraniano que lutou tanto pelos austro-húngaros como pelos russos no início do século XX, e chegou à Tchecoslováquia em 1920. Por razões pouco claras, talvez relacionadas com questões sobre a sua cidadania checa, ele nunca chegou a publicar seus resultados sobre a descoberta.

Em 1939, o exército alemão passou a ocupar a Tchecoslováquia. Eles imediatamente pegaram esta ponta solta e decidiram que os restos do esqueleto pertenciam a um guerreiro alemão ou a um viking nórdico, não a um eslavo, justificando assim sua ocupação do país. A suposta identidade do esqueleto também ajudou os nazistas a afirmarem que o grande Castelo de Praga era, de fato, construído pelos germânicos arianos, em vez de um grupo de origem eslava.
Então, quando Borkovský escreveu um livro sobre a mais antiga cerâmica eslava na Europa central, os nazistas não ficaram satisfeitos, pois ameaçavam sua versão da história. Depois do autor ser ameaçado de prisão em um campo de concentração, o livro de Borkovský acabou sendo colocado nas prateleiras, embora editado com uma interpretação fortemente influenciada pelos nazistas.
Após a derrota dos nazistas em 1945, a Checoslováquia caiu sob a influência dos soviéticos. Mais uma vez, Borkovský encontrou-se em apuros. Sua ação como anticomunista antes da guerra levou à ameaça de aprisionamento em um Gulag, a menos que o misterioso esqueleto fosse retratado de acordo com a ideia soviética da história. E assim, o esqueleto foi definido como uma “pessoa importante que estava relacionada com a antiga dinastia eslava ocidental de Przemyslid” – ele se tornou uma pessoa eslava, mais uma vez.
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“A ideologia nazista reivindicou um argumento pseudocientífico de supremacia ocultista / arqueológica para dizer que toda a Europa Central era de origem alemã, nórdica e viking – porque isso se encaixava em suas ideias racistas arianas”, explicou o professor Saunders. “Os soviéticos, à sua maneira, reivindicavam o contrário – que os povos eslavos eram fundamentais – e, portanto, a Rússia ou a União Soviética eram primordiais”.
Arqueólogos de hoje têm uma ideia muito mais diferenciada sobre a identidade desse cara. Nós sabemos que este homem era um guerreiro, que viveu por volta de 800 a 1000 dC, por causa da espada que foi enterrada ao lado. No entanto, o estilo da espada é único, não como qualquer um dos 1.500 túmulos medievais encontrados no Castelo de Praga. Ele também é cercado por uma variedade de objetos diversos, não necessariamente da área local.

Eles argumentam que o antigo debate sobre se esse homem era germânico ou eslavo é simplesmente um sintoma das ideologias do século XX. Na realidade, a identidade das pessoas na Idade Média não seria forjada ao longo dessas linhas.
“Nosso guerreiro pode muito bem ter se considerado como um verdadeiro vikxing, e há boas razões para se assumir como tal. No entanto, ele pode ter sido um eslavo de uma região vizinha, que dominou o nórdico antigo bem como o eslavo – um guerreiro e líder, que viveu uma existência amplamente viajada, aventureira e beligerante, antes de ser colocado para descansar sob o que se tornaria o Castelo de Praga “, conclui o estudo. [Arqueólogo reconstrói 14 rostos de pessoas que morreram há séculos ou milênios]
A história de Borkovský e do túmulo do guerreiro do Castelo de Praga nos lembra que nossas idéias do passado podem muitas vezes se confundir com nossas próprias sensibilidades modernas.