Você já parou para pensar qual é a foto mais vista da história? A resposta pode estar mais perto do que imagina — talvez até no seu computador. A imagem em questão não é uma obra de arte complexa nem o registro de um evento histórico. Trata-se de uma paisagem serena que, por décadas, foi o plano de fundo padrão de milhões de telas ao redor do mundo. Seu nome é Bliss (“Êxtase”, em tradução livre), e sua história é tão fascinante quanto sua simplicidade.
O responsável pela foto é Charles “Chuck” O’Rear, um fotógrafo americano que, em janeiro de 1996, estava a caminho de visitar Daphne Larkin, sua então namorada e atual esposa. Ele percorria uma estrada entre St. Helena e o condado de Marin, na Califórnia, um trajeto de aproximadamente 100 km repleto de colinas verdejantes.

A fotografia de Chuck O’Rear é amplamente considerada a “foto mais vista do mundo” (YouTube/Shoot The Rabbit/Bart Leferink/Marcel Buunk).
Sempre com uma câmera à mão, O’Rear parou o carro para registrar o cenário que se desdobrava à sua frente: suaves morros cobertos de grama, um céu azul salpicado de nuvens brancas e uma luz suave que parecia pintar o ambiente. A cena era tão idílica que muitos, anos depois, duvidariam de sua autenticidade, acusando-a de ser produto de edição. Mas a verdade é que Bliss foi capturada sem filtros ou truques digitais.
O’Rear usou uma câmera profissional Mamiya RZ67, equipada com filme colorido Fuji e montada em um tripé. O formato do filme — médio, com 6×7 centímetros — e as lentes de alta qualidade foram essenciais para a riqueza de cores e detalhes. “Se eu tivesse usado uma câmera de 35 milímetros, o efeito não seria o mesmo”, explicou o fotógrafo em um vídeo para a Microsoft. A escolha do equipamento garantiu que a imagem preservasse a intensidade do verde das colinas e a profundidade do céu, elementos que a transformaram em um ícone visual.

A imagem foi capturada entre St. Helena, na Califórnia, e o Condado de Marin (YouTube/Shoot The Rabbit/Bart Leferink/Marcel Buunk).
Porém, naquele momento, O’Rear não imaginava o destino que a foto teria. Ele enviou Bliss para a Westlight, uma agência de banco de imagens, onde ficou armazenada até 1998. Foi então que a Microsoft, através do grupo Corbis (adquirido por Bill Gates), comprou o acervo da Westlight — e com ele, os direitos da fotografia.
O valor pago foi algo “na baixa casa dos seis dígitos”, segundo O’Rear, ultrapassando os US$ 100 mil. O curioso é que o transporte do original até a sede da empresa, em Seattle, não foi simples: o seguro necessário para enviar uma imagem tão valiosa era alto demais até para a FedEx. A solução? O próprio fotógrafo embarcou em um avião e entregou o filme pessoalmente, ganhando uma viagem gratuita e garantindo que Bliss chegasse em segurança.
A partir de 2001, a foto se tornou o plano de fundo padrão do Windows XP, sistema operacional que dominou o mercado por anos. Para muitas pessoas, aquelas colinas verdes eram a primeira coisa que viam ao ligar o computador — seja em casa, na escola ou no trabalho. A imagem se transformou em um símbolo não apenas da Microsoft, mas de uma era digital em ascensão. Mesmo após duas décadas, Bliss permanece reconhecível. Seu sucesso, porém, surpreendeu até seu criador. O’Rear, que trabalhou por 25 anos como fotógrafo da National Geographic, brinca: “Ninguém nunca deu atenção ao meu trabalho na Geographic, mas essa foto…”.

“Bliss”, de Chuck O’Rear – o plano de fundo do Windows XP
A esposa, Daphne Larkin, reforça a ironia: “No seu túmulo, em vez de ‘National Geographic’, vamos escrever ‘Fotógrafo de Bliss’”. O comentário, feito em tom de piada, reflete a realidade: poucas imagens na história alcançaram tamanha ubiquidade.
O’Rear relata que, em viagens pela Índia, Tailândia, Grécia ou até em aeroportos como o de Chicago, ele e a esposa se deparam com a foto em placas, computadores antigos ou até em decorações. “Qualquer pessoa acima de 15 anos vai se lembrar dessa imagem pelo resto da vida”, teoriza o fotógrafo.

O’Rear usou uma câmera Mamiya RZ67 com filme colorido da Fuji e um tripé (YouTube/Shoot The Rabbit/Bart Leferink/Marcel Buunk).
O local exato onde Bliss foi registrada também desperta curiosidade. As colinas ficam próximas a Sonoma, na Califórnia, uma região conhecida por seus vinhedos. Nos anos seguintes à foto, a área passou por mudanças: a vegetação deu lugar a plantações, e o cenário bucólico desapareceu. Isso só aumenta o valor histórico da imagem — ela preserva um instante efêmero da natureza, capturado antes que a intervenção humana o alterasse.
Hoje, aos 81 anos, O’Rear ainda recebe mensagens sobre a foto. Para muitos, Bliss é mais que um plano de fundo: é uma janela para um lugar que parece existir apenas na imaginação, um refúgio de paz em meio à rotina caótica. E embora a paisagem real não exista mais, sua representação digital continua a inspirar nostalgia e admiração.
A próxima vez que você olhar para uma tela de computador, lembre-se: por trás de cada pixel, há histórias. E nenhuma delas é tão universal quanto a de uma colina verde, um céu azul e um fotógrafo que, em um dia comum, decidiu parar o carro para registrar o mundo ao seu redor.