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Harry Haft: A triste história do boxeador que lutou com outros presos para sobreviver ao Holocausto

Leonardo Ambrosio

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Harry Haft
Enquanto estava preso em Auschwitz, Harry Haft foi condenado a lutar contra outros prisioneiros para o entretenimento dos guardas nazistas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, muitas pessoas foram presas em campos de concentração nazistas e forçadas a lutar com unhas e dentes para se manterem vivas. E para Harry Haft, a história não foi diferente. Preso quando adolescente, Haft era frequentemente forçado pelos guardas a lutar contra seus companheiros de prisão.

Todos os domingos, durante meses a fio, ele enfrentava novos “desafiadores”, tudo pelo entretenimento dos nazistas. Mas a derrota, nesses embates, significava muito mais do que um ego ferido. Normalmente, os perdedores eram executados.

Embora Harry Haft tenha sobrevivido ao trauma dos campos de concentração, e tenha tentado lutar boxe profissionalmente, as cicatrizes da Segunda Guerra o seguiram por toda a vida. No fim das contas, ele passou a vida inteira lutando contra o passado.

Harry Haft

Luta contra os campos de concentração

Nascido Herschel ou Hertzka Haft, em 28 de julho de 1925, “Harry” (como ficou conhecido) cresceu em Belchatów, na Polônia. Caçula de oito irmãos, ele foi afetado pelo anti-semitismo desde o início da sua vida. Haft enfrentou discriminação na escola, e foi expulso por jogar uma pedra em um professor anti-semita ainda bem jovem.

Em junho de 1941, os homens judeus de Belchatów receberam a notícia de que precisavam se registrar na polícia. De acordo com alguns livros que abordam essa história, o irmão de Haft, Aria, pensou que a convocação fosse para oferecer algum tipo de trabalho, e então foi até a polícia. Mas quando Aria não voltou, Harry Haft decidiu ir atrás dele.

População de Belchatów assistindo aos soldados alemães carregarem os prisioneiros judeus aos campos de concentração. |
População de Belchatów assistindo aos soldados alemães carregarem os prisioneiros judeus aos campos de concentração. | United States Holocaust Memorial Museum Photo Archives

Na época, ele estava prestes a fazer 16 anos de idade. No quartel, ele encontrou todos os homens judeus de sua cidade encurralados, e teve que tomar uma decisão que mudou sua vida.

Ele criou uma distração para que seu irmão pudesse escapar, mas quando Aria fugiu, nos guardas nazistas conseguiram pegar Harry. Naquela mesma noite, Harry Haft foi carregado em um caminhão e enviado para o primeiro de muitos campos de concentração.

Harry Haft forçado a lutar pela sobrevivência

Depois de ser “registrado”, Harry Haft e os outros homens de sua cidade foram enviados para campos de trabalho escravo em Poznan, no oeste da Polônia. Os guardas nazistas dividiram os homens em dos grupos, chamados de “esquerda” e “direita”. Haft foi para a esquerda, e nunca mais viu os homens enviados para a direita.

Em seguida, ele foi para um acampamento perto de Lodz, e de lá ele foi parar em Auschwitz. De acordo com o livro escrito pelo filho de Haft, um dos outros prisioneiros perguntou para onde estavam indo, e um guarda nazista respondeu: “Para o seu túmulo”.

Haft e os outros homens foram enviados para o Campo de Jawozna, um dos muitos subcampos localizados em Auschwitz. Mas lá, ele teve um golpe de sorte duvidoso.

Haft fez amizade com um oficial alemão, e conseguiu fazer um acordo que lhe garantiu uma chance de sobreviver. O guarda nazista elaborou um plano para que Haft lutasse contra outros presos.

Assim, durante meses, Harry Haft enfrentou seus próprios companheiros em lutas que tinham como objetivo “entreter” os guardas. Em entrevistas concedidas anos depois, Haft disse que treinava para ser boxeador quando era mais novo, e que era muito bom nisso.

Ao todo, Harry Haft lutou 76 vezes na frente dos guardas, que o apelidaram de “Animal”. Ele ganhou todas as suas lutas, e aos poucos foi percebendo que ganhava cada vez mais o apreço dos guardas nazistas quando derrotava seus oponentes de forma brutal.

Mas as lutas eram mais do que entretenimento. Em Jawozna, Haft diz que as lutas eram até a morte. Em outras palavras, para que pudesse continuar vivo, Haft precisava vencer suas lutas. Mas as pessoas derrotadas, por outro lado, acabavam sendo executadas.

Harry Haft
Ben Foster interpretando Harry Haft no filme “The Survivor”, de 2021. | HBO

“Desses 76 oponentes, alguns eram velhos conhecidos. Porque quando eles prendiam as pessoas, você era preso com moradores da sua cidade natal”, explicou Alan Scott Haft, filho de Harry.

A cerca altura, Haft teve um oponente à altura: Um francês que havia sido campeão dos pesos pesados, e que também tinha a amizade dos guardas nazistas. Mas Harry Haft também conseguiu derrotá-lo.

Depois da batalha, ele diz que ouviu o som de dois tiros, e nunca mais viu o francês. Ao todo, o homem passou cerca de cinco anos em campos de concentração, mas quando a guerra começou a se voltar contra os nazistas, no início de 1945, Haft aproveitou a chance para escapar. Em uma das chamadas “marchas da morte”, ele matou um soldado alemão, vestiu seu uniforme e fugiu.

Depois da guerra

Com o final da guerra, Harry Haft continuou lutando. Em um acampamento de refugiados, ele se inscreveu para um torneio de boxe em Munique, e acabou sendo campeão na categoria de pesos pesados. Na época, ele chegou a receber um prêmio entregue pelo general americano Lucius Clay, como o destaque da competição.

Algum tempo depois ele se mudou para os Estados Unidos, casando com uma americana e constituindo uma bela família. Nos EUA, ele tentou ganhar a vida como boxeador. Haft venceu 14 de suas 22 lutas ao longo de seus dois anos como boxeador profissional.

Mas a sua carreira terminou depois de perder para o campeão dos pesos pesados, Rocky Marciano. No entanto, mais tarde ele afirmaria que vários mafiosos entraram em seu vestiário pouco antes da luta e ameaçaram matá-lo se ele não perdesse.

Houve também uma luta maior, que Harry Haft não conseguiu vencer. Ao longo dos anos, as experiências traumáticas que Haft vivenciou durante a Segunda Guerra continuaram a atormentá-lo. Seu filho Alan se lembra do pai como uma presença aterrorizante e violenta enquanto ele crescia, no Brooklyn, em Nova Iorque.

“Eu cresci nos Estados Unidos, na década de 1950, com um pai que não falava muito inglês, não sabia ler e escrever, e com quem você não conseguia conversar porque ele poderia explodir a qualquer momento.

Ele teve episódios psicóticos que podiam terminar em violência. Uma vez ele quebrou todas as janelas da casa. E eu não podia me opor a nada, caso contrário eu apanhava. Então foi uma loucura”, disse Alan em uma das entrevistas que concedeu sobre o assunto.

Durante todo esse tempo, Harry Haft permaneceu de boca fechada sobre o que viu e fez durante o Holocausto. Certa vez, em férias com a família, ele disse ao filho: “Um dia desses eu vou te contar tudo”.

Mas ele não contaria a história por pelo menos mais quatro décadas. Eventualmente, ele se sentou com Alan e explicou tudo: sua infância em Belchatów, o que ele fez para sobreviver nos campos de concentração e como ele foi parar nos Estados Unidos. Alan transformou as histórias de seu pai em um livro: ‘Harry Haft: Survivor of Auschwitz, Challenger of Rocky Marciano’. O livro foi lançado em 2003, quatro anos antes de Haft morrer por conta de um câncer.

Hoje em dia, essa história é um lembrete emocionante do que foi necessário para sobreviver durante o Holocausto, que sem dúvidas foi um dos momentos mais tristes de toda a história.

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Leonardo Ambrosio tem 26 anos, é jornalista, vive em Capão da Canoa/RS e trabalha como redator em diversos projetos envolvendo ciências, tecnologia e curiosidades desde 2014.