A história nos diz que a pena de morte para crimes comuns foi abolida no Brasil, juntamente com a Independência do país no ano de 1822. Todavia, as coisas nem sempre foram assim: o Estado ainda emitia uma espécie de pena capital para muitos crimes, que perduraram até o ano de 1937.
Porém, um erro histórico do judiciário brasileiro, em 1824, mudou o curso de como as coisas aconteciam. Tudo começou quando Mota Coqueiro, um cidadão comum na época, foi enforcado no lugar de um criminoso. Por conta disso a pena capital deixou de ser aplicada em determinados crimes que eram considerados comuns. Conheça a Fera de Macabu, um erro que acabou com a pena de morte no Brasil:
No Rio de Janeiro, especificamente em Macaé, vivia um fazendeiro rico, chamado Manuel da Mota Coqueiro. Após a abolição da escravidão, Manuel iniciou parcerias com os colonos livres, a fim de que pudessem trabalhar para ele, sendo um deles o meeiro Francisco Benedito da Silva, que junto com sua grande família, acabou indo trabalhar com o fazendeiro.
Porém, uma das filhas do colono, Francisca, acabou por ter um caso amoroso com Mota Coqueiro e então engravidou. O pai, Francisco, sabendo do ocorrido, começou a pressionar o patrão Manuel, a fim de levar vantagens econômicas da situação.
Retrato falado de Manuel da Mota Coqueiro @Wikipedia
Isso foi o estopim para uma série de brigas, envolvendo muitos homens. De início, Manuel fez ameaças de expulsar Francisco da terra em que ele estava, até que um dia Francisco e um amigo decidiram armar uma emboscada para Manuel quando ele estava fazendo a vistoria da fazenda, de modo que o surpreenderam e deram-lhe uma surra.
Acontece que o fazendeiro tinha muitos inimigos, incluindo padres, cidadãos e muitos outros tinham influência política local. Um desses inimigos era seu próprio primo, Julião Batista Coqueiro, que detestava o fazendeiro por ele ter se casado com sua antiga noiva.
Neste contexto, em uma noite de 1852, Francisco e toda sua família foram brutalmente assassinados por facadas, tendo o crime sido cometido por oito cidadãos afrodescendentes. Apenas Francisca escapou e a casa deles foi incendiada, porém como no dia chovia muito, os corpos não foram queimados por completo, o que permitiu a identificação da atrocidade.
No momento que o crime foi concretizado, Manuel Mota Coqueiro estava há dois quilômetros do local, em uma reunião de negócios. Nenhum dos presentes na reunião percebeu algo estranho ocorrendo na fazenda.
Sendo assim, Francisca andou por dois dias pela mata, em busca de ajuda na fazenda de um homem que era muito amigo de Julião, o primo de Mota Coqueiro. Ao saber do caso, ele então relatou o ocorrido a um delegado de Macaé e eles acusaram Mota Coqueiro de ter sido o mandante da chacina.
Desesperado, o fazendeiro tentou fugir. Mas, ao parar em uma fazenda para pedir água, foi reconhecido e preso. Foi aí que ele ganhou o apelido de “Fera de Macabu” pela polícia local.
Acontece que não foi ele o autor do crime e vários erros e manipulações judiciais ocorreram para culpar o homem. Uma ex-escrava da fazenda foi chamada para depor, afirmando que o crime foi feito a mando de Fera de Macabu. Além dela também outros inimigos do homem foram depor e até pagaram noticiários para veicular notícias ruins sobre o homem. Mas o pior de tudo é que não haviam provas concretas que o associassem com o delito.
Por fim, Manuel da Mota Coqueiro foi condenado à forca e os advogados dele fizeram de tudo para recorrerem aos tribunais superiores, mas não conseguiram mudar a sentença. Este caso chegou até Dom Pedro II, que por pressão política, acabou confirmando a sentença do fazendeiro.
@Pixabay
Coqueiro permaneceu negando o crime até o momento de sua morte, que ocorreu três anos após a acusação, no dia seis de março de 1855. Ele não recebeu um julgamento justo, sendo que todas as investigações realizadas que pudessem provar algo foram falhas.
Por volta de 1856, chegaram aos ouvidos do Imperador Dom Pedro II os boatos de que Coqueiro era inocente. Existem várias versões sobre o autor do crime, sendo a mais provável que a mandante tenha sido sua própria esposa, Úrsula das Virgens, transtornada de ciúmes com a gravidez de Francisca e pelas manobras interesseiras de Francisco Benedito.
Diz-se que ela ficou completamente louca e não conseguia mais dormir depois do julgamento de Mota Coqueiro e que repetia em delírios: “deve-se matar todos, não deve restar ninguém vivo!”. Mas não se sabe, na verdade, quem tenha sido de fato.
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Por fim, sentindo o peso da culpa por ter indeferido aquela petição que podia condenado um inocente, Dom Pedro II decretou que a ordem agora era executar somente os assassinos brutais e, depois, instituiu que todo homem livre condenado a morte teria sua pena convertida em prisão.
Aos poucos o governo imperial dava mostras de que pretendia extinguir a pena de morte e aos poucos isso foi acontecendo no país inteiro.
Luciana é profissional da área de tradução há mais de 15 anos, atuando também como professora de Inglês. Trabalha no Mistérios do Mundo desde 2016 como redatora e roteirista e em horas vagas é pesquisadora curiosa em diversas áreas do conhecimento.