Falar sozinho: traço de loucura ou indicador de mentes brilhantes, segundo a ciência? Falar sozinho em voz alta

por Lucas Rabello
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Você já pegou uma xícara e, sem perceber, murmurou “onde deixei as chaves?” em voz alta? Ou talvez precise se concentrar numa tarefa complicada e comece a sussurrar os passos para si mesmo? Se isso já aconteceu, saiba que você está longe de ser o único.

Falar sozinho é um hábito muito mais comum e muito mais benéfico do que a maioria das pessoas imagina. Longe de ser um sinal de “loucura”, a ciência revela que essa conversa interna audível é uma ferramenta poderosa para o nosso cérebro.

Durante décadas, esse comportamento foi visto com certa desconfiança. Mas pesquisas modernas, como as conduzidas pelo professor Gary Lupyan da Universidade de Wisconsin, mostram que verbalizar nossos pensamentos é uma estratégia cognitiva altamente eficaz. Imagine procurar um item específico no supermercado ou em uma tela cheia de objetos.

Um experimento famoso demonstrou que pessoas que diziam o nome do objeto em voz alta – “escova de dentes”, “maçã”, “garrafa” – o encontravam significativamente mais rápido do que quem ficava quieto. Por quê? Ao pronunciar a palavra “maçã”, seu cérebro não só ativa a imagem visual da fruta, mas também uma rede de informações associadas: sua cor, seu formato, talvez até seu cheiro ou sabor.

Essa ativação extra cria um foco mais aguçado, acelerando a identificação na bagunça visual. É como se a palavra falada desse um comando mais claro ao seu sistema de busca mental.

Falar sozinho

Esse truque não é exclusivo dos adultos. Observe uma criança aprendendo a amarrar os sapatos. É comum ouvi-la narrar o processo em voz alta: “Pego a ponta… passo por baixo… faço a orelhinha…”. Esse “auto-diálogo guiado” é crucial.

Ele ajuda a quebrar uma sequência complexa em etapas menores e gerenciáveis, reforçando a ordem e a disciplina necessárias para dominar novas habilidades. É uma estratégia natural de aprendizado que muitos carregam para a vida adulta, mesmo que de forma mais discreta.

Mas os benefícios vão muito além de encontrar objetos ou aprender tarefas. Falar sozinho é um poderoso aliado da saúde emocional. Psicoterapeutas, como Anne Wilson, frequentemente incentivam os pacientes a praticarem o “auto-diálogo compassivo”. A ideia é simples, porém transformadora: fale consigo mesmo como falaria com um amigo querido que está passando por um momento difícil. A

lguém compreensivo, que conhece sua história e torce genuinamente por você. Colocar sentimentos confusos ou angustiantes em palavras audíveis – “Estou me sentindo sobrecarregado com esse prazo” ou “Esta situação está me deixando muito ansioso” – tem um efeito quase mágico. Dá forma ao caos interno, trazendo clareza e facilitando o processamento dessas emoções complexas.

Na hora de tomar uma decisão difícil, falar sozinho também pode ser a chave. Expressar os prós e os contras, as opções e os medos em voz alta permite organizar ideias que antes pareciam embaralhadas. Ouvir seus próprios argumentos cria uma nova perspectiva, quase como se você estivesse aconselhando outra pessoa. Um truque particularmente interessante, apoiado por estudos, é usar a terceira pessoa.

Em vez de pensar “não consigo resolver isso”, experimente dizer “O [Seu Nome] consegue resolver isso”. Essa pequena mudança cria uma distância psicológica saudável, reduzindo a carga emocional imediata e promovendo mais calma e autocontrole para analisar a situação.

As vantagens cognitivas continuam. Repetir uma lista de compras, as etapas de uma receita, ou até mesmo pontos importantes para uma apresentação em voz alta ativa múltiplos canais sensoriais ao mesmo tempo. Você está ouvindo a informação e articulando as palavras. Essa dupla codificação – auditiva e verbal – fortalece significativamente a memória e a retenção do conteúdo. É uma técnica de estudo subestimada, mas muito eficaz.

Falar sozinho

Para muitos, o auto-diálogo também funciona como um motor interno de motivação. Frases curtas e afirmativas como “Foco agora”, “Vai dar certo” ou “Só mais um pouco” agem como pequenos combustíveis mentais. Em momentos de cansaço, estresse ou desafio, essa voz encorajadora pode ser a diferença entre desistir e persistir, reforçando a confiança e a resiliência. Além disso, ensaiar uma conversa difícil, uma negociação ou até uma simples ligação telefônica em voz alta prepara o cérebro para a interação real, diminuindo a ansiedade social e aumentando a sensação de preparo.

A ciência é clara: a linguagem não serve apenas para nos comunicarmos com os outros. Ela é uma ferramenta fundamental para pensarmos de forma mais clara, organizada e eficiente. Falar sozinho é um reflexo disso, uma forma de externalizar e moldar o fluxo interno de pensamentos. Obviamente, como qualquer comportamento, existem limites.

Se a prática se tornar constante, involuntária a ponto de atrapalhar atividades diárias, ou gerar desconforto intenso em situações sociais, pode ser um sinal para buscar uma avaliação profissional. Um psicólogo pode ajudar a entender se esse hábito está ligado a questões emocionais mais profundas.

Mas para a imensa maioria das pessoas, aquela conversinha consigo mesmo não só é perfeitamente normal, como é um recurso valioso e subutilizado para navegar a complexidade do dia a dia. Então, da próxima vez que você se pegar murmurando enquanto procura as chaves, sorria. Seu cérebro está apenas trabalhando de forma inteligente.

Fundador do portal Mistérios do Mundo (2011). Escritor de ciência, mas cobrindo uma ampla variedade de assuntos. Ganhou o prêmio influenciador digital na categoria curiosidades.