O Brasil, conhecido por sua riqueza natural, está cada vez mais no centro das atenções quando o assunto envolve minerais críticos. Esses recursos são considerados estratégicos para a economia global e fundamentais para a transição energética, sendo usados em baterias de veículos elétricos, turbinas eólicas, painéis solares e até em tecnologias militares de ponta. Nos últimos anos, empresas chinesas vêm ampliando sua presença nesse setor, movimentando bilhões de dólares e despertando preocupações tanto dentro quanto fora do país.
A venda de minas e a polêmica internacional
Em agosto de 2024, a multinacional Anglo American decidiu vender parte de seus ativos no Brasil. Entre eles estavam as minas de níquel em Barro Alto e Codemin, em Goiás, além de operações em Pará e Mato Grosso.
O valor do negócio foi de aproximadamente 500 milhões de dólares, e o comprador foi a MMG, subsidiária da estatal chinesa China Minmetals. Com essa transação, Pequim passou a controlar cerca de 60% da produção brasileira de níquel, metal essencial para o aço inoxidável e para as baterias de lítio.
A operação não passou despercebida. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) abriu investigação sobre possíveis violações de regras que limitam a compra de terras por estrangeiros.
Além disso, a empresa turca Corex Holding afirmou ter oferecido quase o dobro do valor — 900 milhões de dólares —, mas a proposta foi rejeitada sem explicações. A companhia levou o caso ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e até à Comissão Europeia, alegando que a venda para os chineses ameaça a concorrência e a segurança do abastecimento europeu.
“Brasil deve abrir os olhos e mostrar a cartão vermelho aos chineses”, disse Robert Yüksel Yldirim, dono de um conglomerado minerador que inclui a Corex Holding. Para ele, o país está entregando o futuro de seu subsolo. Já nos Estados Unidos, o Instituto Americano do Ferro e do Aço pediu a intervenção do governo brasileiro, alertando que a medida aumenta a dependência mundial de minerais estratégicos sob controle chinês.
O avanço das empresas chinesas no setor mineral
O interesse de empresas chinesas não se limita ao níquel. Em novembro de 2024, a estatal China Nonferrous Metal Mining comprou a mineradora Taboca, no Amazonas, por 340 milhões de dólares. Localizada em Presidente Figueiredo, a mina possui enormes reservas de estanho e, além dele, abriga elementos como nióbio, tântalo e háfnio, todos considerados estratégicos.
Outras aquisições chamaram a atenção. A companhia Baiyin assumiu uma planta de cobre em Alagoas, enquanto a gigante automotiva BYD conquistou direitos de exploração de dois lotes de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, região que vem sendo chamada de “Vale do Lítio”. Também não é coincidência que o governo brasileiro esteja em negociações com a CATL, fabricante chinesa de baterias, para fortalecer a cadeia nacional de produção e estimular a mobilidade elétrica.

Fotografia aérea de uma área de mineração na Amazônia brasileira
Mas o movimento mais delicado envolve minerais ainda mais estratégicos: galio e germânio. Esses elementos são fundamentais para semicondutores, radares e sistemas avançados civis e militares.
Atualmente, a China domina praticamente toda a produção mundial — 98% do gálio refinado e 83% do germânio. Ao restringir exportações desde 2023, Pequim aumentou as tensões com os Estados Unidos e fez os preços dispararem. O Brasil já identificou depósitos desses minerais em regiões como Carajás, no Pará, mas ainda enfrenta obstáculos: falta de infraestrutura, pouca exploração geológica e ausência de investimentos robustos.
Minerais e a disputa geopolítica global
O controle desses recursos vai muito além da economia. Eles são cruciais para tecnologias militares modernas, desde drones e caças até sistemas de guerra eletrônica.
Por esse motivo, a China tem investido pesadamente não apenas em minas próprias, mas também em acordos internacionais que garantam fornecimento a longo prazo. Na África, por exemplo, o país controla grande parte do cobalto da República Democrática do Congo, e na América Latina está presente em reservas de lítio na Bolívia e no Chile.
No Brasil, a situação ganhou contornos ainda mais sensíveis após declarações recentes de Celso Amorim, assessor de política externa do presidente Lula. Ele afirmou que o país está aberto a uma “cooperação militar com a China”. O anúncio foi feito durante cerimônia que marcou os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, evento que contou com a presença de Xi Jinping, Vladimir Putin e Kim Jong-un, mas sem participação de países ocidentais.
Outro detalhe simbólico foi a decisão de Brasília de designar dois generais para atuar como adidos militares em sua embaixada em Pequim, algo que até então só acontecia em Washington. Paralelamente, exercícios militares que seriam realizados em parceria com os Estados Unidos foram cancelados, o que gerou desconforto em Washington, de acordo com o jornal Folha de São Paulo.
Nesse contexto, os minerais críticos brasileiros se tornaram um ponto de disputa entre China e Estados Unidos. O próprio ministro da Economia, Fernando Haddad, chegou a mencionar que esses recursos poderiam entrar nas negociações comerciais com Washington, especialmente sobre tarifas.
Ele defendeu que o país precisa debater urgentemente como vai usar suas reservas estratégicas. “Limitar-se a exportar matérias-primas mantém o Brasil apenas como fornecedor, sem gerar valor agregado nem empregos qualificados”, afirmou.
O desafio da política mineral brasileira
Apesar da relevância crescente, o Brasil ainda não possui uma Política Nacional para Minerais Críticos. O governo havia prometido apresentá-la até o final de 2024, mas até agora ela não saiu do papel. Técnicos do Serviço Geológico Brasileiro (SGB) revelaram que apenas 27% do território nacional foi mapeado, o que significa que o potencial do país ainda é amplamente desconhecido.
Recentemente, foi identificado um novo complexo mineral em Caracaraí, no estado de Roraima. Com cerca de 100 mil hectares, a área apresenta sinais de conter reservas expressivas de terras raras e outros minerais críticos. Hoje, o Brasil já detém 19% das reservas mundiais conhecidas de terras raras, distribuídas em pelo menos 12 estados. Ainda assim, essas riquezas permanecem subexploradas.
O SGB pretende apresentar um documento técnico durante a COP30, em Belém, no Pará. Esse relatório deve reunir dados de um acordo com o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), vinculado ao Ministério de Minas e Energia.
O objetivo é fortalecer a soberania brasileira sobre seus recursos e alinhar a mineração à transição energética. O plano prevê três linhas principais de trabalho para os próximos quatro anos: estudo de oferta e demanda, caracterização tecnológica dos depósitos e desenvolvimento de soluções para reduzir o uso de água na atividade mineradora, incentivando sua reutilização.