No final de fevereiro de 1993, um experimento russo capturou a atenção global ao tentar algo que parecia saído de um filme de ficção científica: iluminar a Terra usando um espelho gigante no espaço. A ideia, liderada pelo engenheiro espacial Vladimir Syromiatnikov, pretendia trazer luz às longas noites de inverno na Sibéria. O projeto Znamya, que significa “bandeira” em russo, foi uma das tentativas mais ousadas de usar a tecnologia espacial para melhorar a vida na Terra.
Uma ideia centenária
A ideia de refletir luz solar para a Terra usando espelhos orbitais não era nova. Em 1923, o pioneiro alemão Hermann Oberth descreveu, em seu livro O Foguete no Espaço Planetário, como espelhos côncavos gigantes poderiam direcionar luz para áreas específicas. Ele imaginou que essa tecnologia evitaria desastres como o naufrágio do Titanic, iluminando rotas de navegação ou derretendo icebergs. Durante a Segunda Guerra Mundial, cientistas nazistas chegaram a desenvolver planos para uma “arma solar” (Sonnengewehr), que usaria espelhos para concentrar raios solares e incendiar cidades ou evaporar lagos. O projeto, considerado inviável na época, foi abandonado, mas a semente da ideia permaneceu.
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Hermann Oberth
Nos anos 1970, o engenheiro Krafft Ehricke, ex-membro da equipe do foguete V-2 nazista e recrutado pelos EUA após a guerra, retomou o conceito. Ele propôs o Power Soletta, uma rede de espelhos orbitais para iluminar plantações à noite e gerar energia solar. Apesar do interesse da NASA, o projeto nunca saiu do papel. Foi na Rússia pós-soviética, em meio a cortes de financiamento, que a visão ganhou vida pelas mãos de Syromiatnikov.
De foguetes a espelhos
Vladimir Syromiatnikov não era um sonhador qualquer. Ele havia participado do desenvolvimento do foguete Vostok, que levou Yuri Gagarin ao espaço em 1961, e criou o sistema de acoplamento APAS, usado na missão conjunta Apollo-Soyuz (1975) e ainda em uso na Estação Espacial Internacional. Nos anos 1980, ele pesquisava velas solares — estruturas que usam a pressão da luz solar para propulsionar naves. Porém, sem justificativa econômica, o projeto não avançou. Foi então que Syromiatnikov teve um insight: e se essas velas pudessem refletir luz para a Terra?
Ele propôs um sistema de espelhos orbitais para iluminar regiões polares, onde o inverno mergulha cidades em escuridão por meses. A luz extra reduziria custos com energia, aumentaria a produtividade agrícola e melhoraria o bem-estar da população. Com apoio da agência espacial russa Roscosmos e do consórcio Space Regatta, Syromiatnikov iniciou o projeto Znamya.
Znamya 2: O primeiro teste
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Znamya 2
O primeiro protótipo, Znamya 1, foi testado na Terra. Já o Znamya 2, lançado em 27 de outubro de 1992 a bordo da nave Progress M-15, chegou à estação espacial Mir. Em 4 de fevereiro de 1993, a equipe da Mir posicionou um tambor com folhas refletivas de Mylar aluminizado — material leve e resistente — na nave. A Progress se afastou 150 metros e começou a girar, desenrolando o espelho de 20 metros de diâmetro por força centrífuga, como um guarda-chuva se abrindo.
O reflexo gerou um feixe de luz equivalente ao da Lua cheia, criando um círculo de 5 km de diâmetro na superfície terrestre. A mancha luminosa viajou a 8 km/s, cruzando da França à Rússia em minutos. Apesar de nuvens atrapalharem a visibilidade, moradores relataram flashes no céu. Após algumas horas, o espelho reentrou na atmosfera e queimou sobre o Canadá.
O experimento provou que a ideia era viável, mas revelou problemas: a luz era difusa demais para uso prático, e a instabilidade do espelho dificultava manter o foco. Mesmo assim, Syromiatnikov seguiu adiante.
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Ilustração feita pela BBC antes do lançamento do Znamya 2
Znamya 2.5: Ambição e azar
A próxima etapa, Znamya 2.5, teria um espelho de 25 metros, capaz de iluminar uma área de 8 km com brilho equivalente a 10 Luas. Desta vez, o feixe seria direcionável, permanecendo alguns minutos sobre cada região. Cidades da Europa e da América do Norte foram escolhidas como alvos.
Antes do lançamento, astrônomos protestaram: o espelho ofuscaria observações do céu. Ecologistas alertaram sobre impactos na vida selvagem. Ainda assim, em fevereiro de 1999, a nave Progress partiu rumo à Mir. O plano era repetir o procedimento de 1993, mas um erro de comando fez uma antena se estender durante a abertura do espelho. As folhas de Mylar se enrolaram na estrutura, rasgando-se. Tentativas de corrigir o problema apenas pioraram os danos. A missão foi abortada, e o Znamya 2.5 queimou na reentrada sobre o Pacífico.
O fim de um sonho
O fracasso do Znamya 2.5 enterrou o projeto. Syromiatnikov planejava um Znamya 3 com espelho de 70 metros, mas não conseguiu financiamento. Ele morreu em 2006, sem ver sua visão se concretizar. Apesar do fim precoce, o Znamya inspirou discussões sobre o uso de luz orbital para agricultura noturna, geração de energia e até missões de resgate. Hoje, iniciativas como satélites de comunicação solar mantêm viva a ideia de que, um dia, poderemos “acender” a noite usando o poder do Sol.