À sombra de um dos desastres nucleares mais catastróficos da história, uma descoberta científica fascinante surgiu na Zona de Exclusão de Chernobyl (CEZ). Quase quatro décadas após a explosão devastadora na Usina Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, pesquisadores identificaram adaptações genéticas impressionantes nos cães de rua que habitam essa paisagem radioativa.
Um estudo abrangente, publicado na revista Canine Medicine and Genetics em março de 2023, analisou amostras de sangue de 116 cães de rua que vivem na CEZ. Esses animais, provavelmente descendentes de cães deixados para trás durante a evacuação em massa de 350.000 pessoas após o desastre de 1986, demonstraram uma capacidade extraordinária de sobreviver em um ambiente considerado inóspito.
“De alguma forma, duas pequenas populações de cães conseguiram sobreviver nesse ambiente altamente tóxico”, afirmou Norman J. Kleiman, cientista de saúde ambiental da Universidade de Columbia. A análise da equipe de pesquisa revelou variações intrigantes em locais genômicos específicos que diferenciam esses cães de populações que vivem fora da CEZ.
O estudo identificou 52 genes que, segundo os pesquisadores, podem estar associados à exposição à contaminação ambiental na Usina Nuclear. Essas variações genéticas indicam que os cães podem ter desenvolvido mutações que lhes permitem se adaptar aos altos níveis de radiação que ainda persistem na área.
Essa investigação sobre os cães faz parte de um esforço científico mais amplo para entender como várias espécies lidam com a exposição à radiação na CEZ. Estudos recentes revelaram resultados igualmente surpreendentes em outros animais. Lobos que habitam a zona, por exemplo, demonstraram uma notável resiliência à radiação, que normalmente causa diversos tipos de câncer em outros organismos.
Em uma investigação paralela realizada em março, cientistas examinaram nematoides, pequenos vermes que vivem no solo contaminado. Apesar dos altos níveis de radiação, esses organismos microscópicos não apresentaram nenhum dano genético, levantando questões sobre os mecanismos por trás de sua aparente imunidade.
A Dra. Sophia Tintor, que liderou o estudo, levantou uma questão crucial: “Chernobyl foi uma tragédia de escala incompreensível, mas ainda não temos uma compreensão clara dos efeitos do desastre sobre as populações locais. A mudança ambiental repentina selecionou espécies, ou até mesmo indivíduos dentro de uma espécie, que são naturalmente mais resistentes à radiação ionizante?”
A explosão no Reator Número 4 liberou pelo menos cinco por cento do núcleo radioativo no ambiente, causando mortes imediatas e forçando a evacuação de centenas de milhares de moradores. Hoje, o local continua a influenciar a pesquisa científica, oferecendo insights únicos sobre como os organismos vivos se adaptam a condições ambientais extremas.
Essas descobertas alimentam o debate contínuo sobre a possibilidade de humanos e animais retornarem com segurança à área no futuro. As adaptações genéticas observadas nesses cães, lobos e nematoides fornecem dados valiosos para a compreensão da resistência à radiação e da adaptação ambiental em organismos vivos.