Você já participou de uma competição infantil para ver quem aguenta mais tempo debaixo d’água? Se sim, sabe que a glória de segurar a respiração por 10 segundos era algo digno de orgulho. Mas imagine encontrar um grupo de pessoas que passa até cinco horas por dia mergulhando, sem precisar de equipamentos especiais. Esse é o cotidiano dos Bajau, uma tribo nômina que habita as águas da Indonésia, Malásia e Filipinas. Enquanto crianças brincam em piscinas, eles descem a mais de 70 metros de profundidade e permanecem minutos submersos, como se o mar fosse uma extensão natural de seus corpos.
A primeira suposição seria que os Bajau possuem pulmões gigantescos, mas a ciência revelou um segredo diferente: o segredo está no baço. Pesquisadores da Universidade de Copenhague descobriram que membros da tribo têm um gene mutante, o PDE10A, associado a um baço 50% maior que o de populações vizinhas.
![Como tribo remota consegue nadar debaixo d'água por 5 horas ao dia, com filmagem incrível mostrando sua habilidade Baços maiores significam melhor mergulho. (BBC Global/YouTube)](https://misteriosdomundo.org/wp-content/uploads/2025/02/Bacos-maiores-significam-melhor-mergulho.-BBC-GlobalYouTube.webp)
Baços maiores significam melhor mergulho. (BBC Global/YouTube)
Esse órgão, muitas vezes ignorado, é crucial para mergulhos prolongados. Quando mergulhamos, o corpo ativa o “reflexo de mergulho”, desacelerando os batimentos cardíacos e direcionando sangue oxigenado para órgãos vitais. O baço, então, se contrai, liberando glóbulos vermelhos extras na corrente sanguínea – uma espécie de “reserva” de oxigênio. Melissa Ilardo, geneticista envolvida no estudo, compara o baço dos Bajau a um “tanque de mergulho biológico”, permitindo que eles explorem o fundo do mar com eficiência extraordinária.
Por gerações, os Bajau construíram suas vidas em harmonia com o oceano. Vivendo em barcos-casa, dependem quase exclusivamente dos recursos marinhos para sobreviver. Um mergulhador tradicional da tribo passa cerca de 60% do dia submerso, realizando até 30 mergulhos consecutivos em busca de peixes, moluscos e outros tesouros submarinos. Essa habilidade não é apenas fruto de treinamento: é uma adaptação biológica moldada por séculos de seleção natural. Quem tinha baços maiores e maior tolerância à falta de oxigênio sobrevivia melhor, passando esses traços adiante.
![Como tribo remota consegue nadar debaixo d'água por 5 horas ao dia, com filmagem incrível mostrando sua habilidade Mergulhando com óculos de madeira e pesos amarrados à cintura, os Bajau vivem há incontáveis gerações dos frutos do mar. (BBC Global/YouTube)](https://misteriosdomundo.org/wp-content/uploads/2025/02/Mergulhando-com-oculos-de-madeira-e-pesos-amarrados-a-cintura-os-Bajau-vivem-ha-incontaveis-geracoes-dos-frutos-do-mar.-BBC-GlobalYouTube.webp)
Mergulhando com óculos de madeira e pesos amarrados à cintura, os Bajau vivem há incontáveis gerações dos frutos do mar. (BBC Global/YouTube)
Mas o domínio dos Bajau sobre as profundezas está ameaçado. As mudanças climáticas e a degradação ambiental impactam diretamente seu modo de vida. Recifes de coral – berçários essenciais para a vida marinha – estão morrendo, reduzindo a quantidade de peixes. A poluição por plástico, outro problema crescente, invade até mesmo comunidades isoladas. Santarawi Lalisan, um líder tribal, lamenta a transformação cultural: antes, os Bajau usavam materiais naturais, como folhas e fibras, mas hoje o plástico domina seu cotidiano, simbolizando a erosão de tradições ancestrais.
Enquanto isso, a ciência continua fascinada pela fisiologia única dos Bajau. Estudos como o de Ilardo não apenas desvendam mistérios evolutivos, mas também oferecem insights sobre como o corpo humano se adapta a ambientes extremos.
Quem diria que um órgão como o baço, pouco celebrado, poderia ser a chave para desvendar a resistência de verdadeiros “homens-peixe”? Para os Bajau, porém, a prioridade não é a admiração do mundo exterior, mas a preservação de um legado intimamente ligado às marés – um legado que, assim como os recifes de coral, corre risco de desaparecer sob pressões que vão muito além das profundezas do oceano.