A Netflix acaba de adicionar mais um título à lista de produções que geram debates acalorados: Adolescência, uma minissérie de quatro episódios que mergulha em um crime chocante envolvendo adolescentes. A história acompanha Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado de assassinar sua colega de escola, Katie. Mas a série vai além do suspense policial: ela explora como as redes sociais, a busca por validação e a complexidade das relações digitais moldam a vida dos jovens. Psicólogos especializados analisaram cenas específicas e revelaram detalhes simbólicos que muitos espectadores podem ter perdido.
O Sanduíche de Pepino e a Leite com Chocolate: Mais Do Que Um Lanche

O que significa o sanduíche que Jaime Miller despreza em Adolescência, explicado por uma psicóloga?
No terceiro episódio, uma cena aparentemente simples chama a atenção. A psicóloga Briony (Erin Doherty) oferece a Jamie (Owen Cooper) um sanduíche de queijo com pepino e um copo de leite com chocolate. O gesto parece casual, mas esconde camadas de significado. Jamie já havia dito que não gostava de pepinos, então por que Briony insistiu nesse lanche?
Segundo a psicóloga infantil Sheila Redfern, a oferta tinha dois objetivos. Primeiro, humanizar Briony, mostrando que ela não era apenas uma profissional rígida, mas alguém disposta a compartilhar algo pessoal. Isso ajuda Jamie a relaxar. Por outro lado, Redfern sugere que Briony pode estar testando como o garoto reage a uma situação desconfortável — afinal, ele precisaria lidar com um ingrediente que não aprecia. Já a leite com chocolate, conforme a psicóloga Danielle Haig, representa um “conforto infantil”, tentando resgatar a inocência de Jamie. A estratégia parece funcionar parcialmente: ele pega o sanduíche, mas, em um momento de raiva, joga a bebida no chão.

Especialista analisou uma das cenas icônicas do capítulo 3 da Adolescência, onde Jaime Miller é interrogado por uma psicóloga
A Cadeira Que Aproxima: Estratégias Para Conquistar Confiança
Durante a conversa entre Briony e Jamie, outro detalhe sutil acontece: a psicóloga move sua cadeira lentamente para perto do garoto. Inicialmente, ele evita contato visual, mas, à medida que a distância física diminui, sua postura se abre. Sheila Redfern explica que esse movimento não é aleatório. Aproximar-se gradualmente é uma técnica usada para construir confiança, principalmente com adolescentes que podem se sentir intimidados.
Janine Mitchell, especialista em saúde mental, complementa: o ato de sentar-se ao lado de Jamie, em vez de frente a ele, reduz a sensação de confronto. O resultado aparece quando o garoto finalmente morde o sanduíche — um sinal de que está começando a confiar em Briony.
Entrar e Sair da Sala: O Jogo de Poder Invisível

Outro dos recursos que fizeram a diferença no capítulo 3 que deu o que falar
A postura profissional de Briony é meticulosa. Desde sua roupa neutra até a decisão de sair da sala após Jamie ter um acesso de raiva, tudo é calculado. Redfern destaca que, ao deixar o garoto sozinho por alguns instantes, a psicóloga consegue observar como ele reage à ausência dela. Quando ela retorna, Jamie se desculpa — um indício de que a aprovação dela já importa para ele.
Esse vai e vem também serve para equilibrar a relação. Briony evita parecer muito autoritária ou excessivamente amigável, mantendo um limite claro entre profissionalismo e empatia.
“Você Gosta de Mim?”: A Busca Desesperada por Validação
Em um dos momentos mais tensos, Jamie pergunta diretamente a Briony: “Você gosta de mim?”. A psicóloga, porém, não responde. Para Redfern, essa ambivalência é arriscada. Adolescentes como Jamie, em situações de vulnerabilidade, precisam de afirmação. A falta de uma resposta clara pode aumentar sua insegurança, algo que já é evidente nas repetidas afirmações do garoto de que se considera “feio”.
A cena reflete uma realidade comum na adolescência: a necessidade de ser aceito, seja por adultos ou pelos pares. No caso de Jamie, essa carência é amplificada pelo isolamento social e pelo trauma do crime.

A busca de Jamie por validação é uma constante na série
A Negação e a Vergonha: Os Mecanismos de Defesa de Jamie
Jamie insiste veementemente em sua inocência durante toda a série, mesmo diante de evidências. Redfern explica que a negação não é apenas um mecanismo de defesa, mas está ligada à vergonha profunda. O garoto rejeita a ideia de ser visto como um assassino porque isso conflita com sua autoimagem.
Essa negação oscila ao longo da trama. Em certos momentos, ele parece aceitar parcialmente a realidade, mas volta a se fechar quando confrontado com perguntas pessoais, como o questionamento sobre Briony gostar dele. A complexidade desse processo mostra como a aceitação de um erro grave pode ser fragmentada e dolorosa.
O Papel de Parede Que Delatou: Uma Pista Visual Subestimada
Desde o primeiro episódio, a série semeia pistas sobre a culpa de Jamie. Uma delas passa quase despercebida: quando o garoto é detido pela polícia, ele levanta as mãos e, sem querer, rasga um pedaço de papel de parede. O formato do rasgo? Exatamente igual a uma faca.
Sheila Redfern aponta que esse detalhe visual não é coincidência. A “faca” no papel simboliza a arma do crime e a conexão direta de Jamie com o assassinato. É um exemplo de como a produção usa elementos sutis para antecipar revelações.
História: A Matéria Favorita Que Ninguém Notou
Jamie menciona que sua matéria preferida na escola é história. Porém, em uma sala quase sem meninas e com um professor que nem sabe seu nome, fica claro que ele não encontra apoio ou reconhecimento ali. Fãs da série especulam que isso não é acidental: a ausência de uma figura masculina positiva em sua vida pode tê-lo deixado vulnerável a comportamentos impulsivos.
A decepção com autoridades é um tema recorrente. Se Jamie não se sente visto por seus professores, como poderia buscar orientação em momentos de crise?
O Final e a Voz de Katie: O Símbolo da Inocência Perdida
No último episódio, a música Through the Eyes of a Child (pelos olhos de uma criança), interpretada por Emilia Holliday — a atriz que dá vida a Katie —, ecoa enquanto a trama se encerra. É a única vez que ouvimos a voz da personagem, e a escolha não é aleatória. A canção ressalta a inocência truncada pela violência e convida o público a refletir sobre como as crianças percebem — e são afetadas — pelos conflitos dos adultos.
A atuação de Stephen Graham, que interpreta o detetive encarregado do caso, adiciona peso emocional ao final. Sua expressão carregada de dúvida e tristeza deixa claro que, mesmo com respostas, as cicatrizes permanecem.

Ao longo dos episódios, Jamie nega ser o autor do crime, apesar das evidências esmagadoras contra ele.
Por Que Adolescentes e Adultos Estão Assistindo?
A série captura a atenção não apenas pelo suspense, mas pela forma realista como retrata a pressão sobre os jovens. Em um mundo onde posts, likes e comentários definem parte da identidade, Jamie representa uma geração que luta para separar realidade e aparência. As análises psicológicas mostram que cada gesto, diálogo ou silêncio na produção foi pensado para refletir conflitos internos.
Adolescência não entrega respostas fáceis. Em vez disso, convida o espectador a questionar como o ambiente digital, a falta de conexão genuína e a busca por aceitação podem moldar tragédias — e como pequenos gestos, como um sanduíche ou uma cadeira movida, podem ser ferramentas poderosas para entender um ser humano em crise.