A história é tão cativante quanto familiar: Dois peixes jovens nadam ao lado de um mais velho, totalmente inconscientes da essência de sua existência, a água. O autor lendário David Foster Wallace usou essa alegoria para descrever quão alheios frequentemente somos ao que está ao nosso redor, e é uma metáfora adequada para o nosso atual relacionamento com os oceanos.
Somos como aqueles dois peixes jovens, nadando em um mar que está aquecendo, mas muitas vezes falhando em reconhecer o que está acontecendo.
A Elevação das Temperaturas dos Oceanos: Um Sinal de Alerta
Vamos nos aprofundar em alguns fatos que sublinham a gravidade da situação. O Programa de Observação da Terra da União Europeia, Copernicus, registrou a temperatura recorde da superfície do oceano de 20,96 graus em 30 de julho. Um pouco mais alta do que o recorde anterior em março de 2016. E não é apenas um dado europeu. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA) confirmou tendências semelhantes.
Essa mudança é impressionante, principalmente porque o último recorde estava associado a um dos eventos El Niño mais poderosos na memória recente. Estamos agora nos aproximando de outro El Niño, mas espera-se que seja menos poderoso, e mesmo assim o recorde de temperatura já foi quebrado.
Qual é o significado disso? De forma clara e direta, a Organização Meteorológica Mundial nos adverte que essas ondas de calor marinhas podem causar migração de espécies, extinção e a invasão de novas espécies, afetando a pesca e a aquicultura. Essencialmente, grandes extensões do oceano podem se tornar terras estéreis.
Mas por que isso está acontecendo? Ao contrário da percepção comum, o debate científico em torno das mudanças climáticas é complexo e multifacetado. Vários fatores estão em jogo este ano – El Niño, mudanças nas correntes oceânicas, a explosão do vulcão Hunga Tonga, mudanças no ciclo solar e muito mais. Simplificar isso em uma única causa seria anti-científico.
Consequências Ecológicas e Econômicas: É Hora de Agir
Contudo, as evidências prevalecentes apontam para um culpado claro: os oceanos estão aquecendo porque estão absorvendo a maioria das emissões de gases de efeito estufa.
As ramificações são amplas. Ondas de calor marinhas imprevistas estão aparecendo em novos lugares. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU alerta que a frequência e a intensidade desses eventos dobraram entre 1982 e 2016. As consequências não serão apenas ecológicas, mas também econômicas, colocando em risco os meios de subsistência de mais de 58,5 milhões de pessoas.
De fato, o crescimento da piscicultura (quase 60% em todo o mundo) pode amenizar o golpe, mas a transformação ao longo das costas globais será histórica, e é um debate para o qual parecemos despreparados.
E aqui reside a profunda lição da história de Foster Wallace. Não se trata de um peixe mais velho transmitindo sabedoria aos jovens; trata-se de reconhecer “as realidades mais óbvias e importantes” que achamos mais difíceis de ver e discutir.
Como os peixes jovens, lutamos para compreender o mar. O tempo para entender, falar e agir é agora. A água em que nadamos está esquentando, e as consequências, ecológicas e econômicas, são importantes demais para ignorar. É hora de reconhecer o que está na água. É hora de aprendermos.