Quando um papa falece, um ritual ancestral é acionado no Vaticano, envolvendo um objeto carregado de simbolismo: o Anel do Pescador. No caso de Francisco, o primeiro pontífice latino-americano, esse artefato dourado, que acompanhou seus mais de dez anos de pontificado, será desintegrado com um martelo especial. Mas por que essa joia valiosa, estimada em US$ 520 mil, precisa ser destruída? A resposta está em uma tradição que remonta a séculos.
O Anel do Pescador não é um acessório comum. Criado para cada novo papa, ele traz a imagem de São Pedro em um barco, lançando redes ao mar — uma referência à missão de “pescar homens” atribuída pelo cristianismo ao primeiro líder da Igreja. No passado, o anel funcionava como um carimbo oficial: o papa usava seu selo em documentos importantes, deixando uma marca em cera quente. Com o avanço da tecnologia, sua função prática desapareceu, mas o objeto permaneceu como um símbolo de autoridade e continuidade.
Jorge Mario Bergoglio, eleito em 2013, escolheu o nome Francisco em homenagem ao santo associado à humildade. Coerente com essa inspiração, ele recusou-se a morar nos aposentos luxuosos do Vaticano, optando por uma residência simples. Seu anel, porém, manteve o desenho tradicional, embora seu valor transcendesse o material. Durante seu papado, o objeto apareceu em incontáveis fotografias, sempre em sua mão direita, como um testemunho silencioso de seu compromisso.
Aos 88 anos, Francisco faleceu em 21 de abril, vítima de um acidente vascular cerebral que levou a uma parada cardíaca irreversível. Enquanto a Igreja prepara seus ritos fúnebres, outro protocolo está em andamento: a destruição do Anel do Pescador. O encarregado é o cardeal camerlengo Kevin Farrell, que utilizará um martelo prateado para esmagar o objeto na presença de outros cardeais. O gesto, mais do que cerimonial, visa evitar falsificações — uma precaução que persiste mesmo que o anel já não tenha uso prático.
A tradição determina que o conclave para eleger um novo papa só comece após essa etapa. O processo dura entre 15 e 20 dias, período em que cardeais de todo o mundo se reúnem na Capela Sistina. Enquanto isso, o anel de Francisco será reduzido a fragmentos, marcando o fim oficial de seu governo.
Em seu anúncio oficial, o cardeal Farrell destacou a dedicação do pontífice aos mais pobres e a coerência de sua mensagem. “Francisco nos ensinou a viver o Evangelho com coragem”, declarou, reforçando o legado de um papa que desafiou convenções sem abandonar as raízes da fé.
Embora o anel físico desapareça, seu significado permanece: cada fragmento guarda a memória de um papado que uniu tradição e modernidade. Enquanto a Igreja se prepara para uma nova era, o ritual do martelo ecoa como um elo entre o passado e o futuro, lembrando que, na morte de um líder, um novo ciclo se inicia.