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A história da cidade perdida dos piratas do Caribe

Luciana Calogeras

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Tudo aconteceu há 300 anos no Caribe, mais especificamente em Port Royal, a cidade considerada a mais perversa do mundo no século XVII.

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Ao longo da história humana os piratas têm sido tema de muitas controvérsias: para muitos, eles são grandes símbolos de liberdade, já que muitos piratas eram fugitivos da perseguição política ou religiosa de suas épocas. Muitos deles partiam em busca de uma nova vida nos mares, onde acabavam vivendo grandes aventuras ao desbravar as terras do novo mundo e encontrar riquezas que, como contam algumas histórias, acabavam até mesmo dividindo com os mais pobres.

Batalhas épicas em que se saíam como vencedores, truques infalíveis para sempre escaparem com benefícios, amores proibidos embalados em muito rum e cerveja e o constante desafio às autoridades eram características comuns em todo pirata de respeito que tenha inspirado grandes personagens de contos infanto-juvenis.

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Mas, para  outros… bem, eles não passaram de saqueadores salafrários, negociantes de mercadorias roubadas que buscavam enriquecer a todo e qualquer custo. Para os ingleses e para muitas outras potências europeias no período das Grandes Navegações, os piratas no mínimo atrapalharam o curso da história e do desenvolvimento de seus países, como verdadeiros “perturbadores da paz”.

Seja qual for a sua visão sobre os piratas e por mais que você torça pelo capitão Jack Sparrow, hoje viemos trazer para você uma história pra lá de interessante, que você jamais verá em uma sequência de Piratas do Caribe: A maior história sobre piratas que nenhum filme te contou.

Tudo aconteceu há 300 anos no Caribe, mais especificamente em Port Royal, a cidade considerada a mais perversa do mundo no século XVII.

O surgimento de uma cidade pirata

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Port Royal está situada na Jamaica, em uma pequena ilha na foz do porto de Kingston. Isso fez dela uma verdadeira joia para o comércio, já que a excelente localização em relação a todo o resto do Caribe a colocava em vantagem para as rotas comerciais, além de ser um excelente porto para descanso de tripulações e um local ideal para fazer reparos de navios na época.

A cidade foi descoberta por colonos europeus que chegaram às Américas com Cristóvão Colombo em 1494 e, em cerca de 15 anos, se estabeleceram permanentemente.

Por 146 anos a ilha foi controlada pelos espanhóis, até que em 1655 os britânicos a conquistaram e a nomearam oficialmente como Port Royal. E, como tudo na história de conquistas da Inglaterra, claramente os britânicos não estariam dispostos a deixar a cidade indefesa.

Em 1657, o governador do assentamento, Edward D’Oley, encontrou uma solução única para fazer a defesa de Port Royal, sobretudo contra os espanhóis: ele convidou um grupo de corsários denominado Brethren of the Coast ou “Irmãos da Costa” para tomarem conta de Port Royal como se fosse seus lares, ou melhor dizendo, um porto de origem, já que o lar de um bom pirata é, claramente, o próprio mar.

Os Irmãos da Costa eram uma coalizão de grandes capitães marinheiros, sendo o mesmo grupo de piratas ao qual pertencia o famoso (ou infame) Henry Morgan, conhecido por ter saqueado grande parte do Caribe.

Assim como no filme Piratas do Caribe, esse grupo tinha um código de conduta e ser respeitado pelos membros. E é a partir daí que a história começa a ficar interessante!

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Com o crescimento da cidade sob domínio britânico, os espanhóis e seus interesses marítimos eram considerados uma ameaça ao desenvolvimento de Port Royal. E, por esse motivo, o governo britânico de Port Royal decidiu começar a acolher piratas para protegê-los, mas só sob a condição deles protegerem a cidade dos espanhóis!

Essa tática teve um impacto interessante, que redefiniu bastante o desenvolvimento do Caribe, que de início era principalmente de domínio espanhol.

O que começou a acontecer, no entanto, foi que os piratas começaram a atacar regularmente os navios e assentamentos espanhóis, de modo que isso exigia do governo espanhol mais e mais investimentos em recursos para defesa. Os piratas se divertiram muito saqueando, roubando ouro, prata e bens de valor, pegando para si as mulheres do inimigo e se deliciando com as iguarias que eles conseguiam como fruto desses ataques.

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Sob a proteção do governo britânico, a pirataria rolava solta e ajudou muito a definir não só a política e a religião local, mas também a economia. O corso foi oficialmente sancionado pela Coroa Britânica, o que significa que os corsários que possuíssem uma carta oficial com uma “licença para pirataria” poderiam praticar o que quisessem livremente, mas eram obrigados a pagar uma parte de todo o montante adquirido ao governo da cidade.

A legalização da pirataria fez Port Royal ser um dos portos mais populares do Caribe para piratas britânicos e franceses que, por consequência, transformaram a pirataria em basicamente uma indústria – sim, é isso mesmo: a pirataria virou um emprego!

Após a pirataria se tornar um emprego

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Em 1689, quase metade da população da cidade estava envolvida no “comércio de corsários’, um nome bem mais bonito para a pirataria, não acha? Bem, os resultados foram mais surpreendentes do que poderíamos imaginar: enquanto Port Royal tinha uma catedral e quatro igrejas, o restante da cidade era um pouco menos devoto. Na verdade bem menos devoto.

Evidências apontam que cerca de 25% da cidade (sim, um em cada quatro edifícios) era um bordel ou um bar. Isso fazia de Port Royal o paraíso dos fanfarrões, com lugares de sobra para gastarem dinheiro – o que claramente, não era problema algum pra eles.

De acordo com a professora Nuala Zahedieh, da Universidade de Edimburgo, “Os 300 homens que acompanharam Henry Morgan a Portobello em 1668 retornaram a Port Royal com o equivalente a duas ou três vezes o salário anual de um fazendeiro somente para gastarem em diversão na cidade. Sem mencionar que esse dinheiro provém de um único ataque”. Então já dá para imaginar o cenário de como seria Port Royal e esses aventureiros endinheirados naquela época, não é mesmo?

As grandes perdições dos piratas eram a bebida e as mulheres. Eles gastavam quantias absurdas em uma única noite de apostas, um valor que, certamente, os fariam grandes senhores de terras com recursos para suas próximas gerações. Mas terra não era muito “a praia” deles. Literalmente!

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Artefatos recuperados em Port Royal
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Alguns corsários chegavam a um ponto tão alto de gastos que acabavam se reduzindo à mendicância: viver o dia de hoje era o lema deles, sem pensar no amanhã. Você já se imaginou gastando seu salário médio anual em uma única noite? Ah, e vale lembrar que eles não tinham assistências do governo e nem plano de saúde naquela época. Quanta ousadia!

A economia de Port Royal e todos os outros fatores que trabalharam em favor da cidade a fizeram crescer tão rápido que ela se tornou a maior cidade fundada pelos ingleses nas Américas.

Em 1692, Port Royal deixava até mesmo Nova York no chinelo: existem relatos de que havia até 10.000 habitantes, um número absurdo para a época, fazendo-a ser a maior e mais rica cidade do novo mundo.

Quando a capital da pirataria afundou como um marujo

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Port Royal era a capital da cultura pirata, ou melhor dizendo, a “capitã” dos piratas. Mas, assim como um marujo que passa a maior parte do tempo no mar, as chances de afundar se tornariam maiores. E foi o que aconteceu com a cidade: ela afundou. Afundou literalmente mesmo! Na verdade, uma parte dela, mais precisamente.

De forma diferente às outras cidades antigas, que vemos ruínas ou edifícios históricos, com Port Royal aconteceu diferente: um evento fatídico, em meados de 1692, abalou suas estruturas. Uma sequência colossal de terremotos!

Terremotos não eram muito bem conhecidos na região e, em 1688, um pequeno tremor acabou destruindo três casas. Ninguém entendeu o que estava acontecendo e o que estava por vir, até quando, em 7 de junho de 1692, três grandes terremotos atingiram a cidade em pouco tempo.

Para piorar a situação, os terremotos foram seguidos por um tsunami que colocou metade de Port Royal sob 12 metros de água, matando cerca de 2.000 pessoas.

Port Royal não foi construída sobre alicerces, mas sim em solo bem frouxo: bastou o terremoto e tsunami para que grande parte do solo fosse liquefeita, aumentando ainda mais a proporção dos danos. Ou seja, se algo tivesse chance de dar errado ali, daria!

Como ninguém sabia do que se tratava, rapidamente chamaram essa destruição de “castigo de Deus”.

Após os terremotos e as inundações, praticamente todos os edifícios da cidade ficaram inabitáveis. As inundações reviraram os cemitérios, revelando os esqueletos dos falecidos que ficavam boiando ao lado dos recém-mortos no desastre.

Com esse colapso, o pior se seguiu: o grande número de saques, fome e doenças fizeram a cidade esmorecer e, na contagem final, dois terços da cidade foram parar embaixo d’água.

Port Royal virou história

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Robert Grenier, um arqueólogo marinho canadense, diz que Port Royal é o repositório mais rico de naufrágios históricos de todos os tempos. E, por ter feito parte de uma extensa rede de transporte (e pirataria) do mundo, foi listada como um patrimônio mundial da UNESCO, essencial para o desenvolvimento do Caribe e como o conhecemos hoje em dia.

De certa forma, o legado de Port Royal continuou vivo mesmo após o terremoto. Depois que a era “oficial” da pirataria terminou, a cidade ainda era um refúgio popular para os “piratas autônomos”. Mas agora, a pirataria já não era algo apoiado pelo governo britânico: os piratas começaram a atacar indiscriminadamente o transporte marítimo, o que causou problemas bem óbvios para o governo local.

Então, em 1720, o que sobreviveu da cidade começou a ganhar fama pela quantidade de piratas que enforcava, não que abrigava.

Outro fato interessante foi o surgimento de Kingston, a capital da Jamaica, que foi fundada em julho de 1692, imediatamente após a destruição de Port Royal. A cidade foi construída para abrigar os sobreviventes da tragédia, ao passo que cresceu e se tornou a maior cidade do país.

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A “capital da pirataria” pode ter afundado, mas sua lenda continua até hoje povoando o imaginário moderno, tanto pela infâmia, riquezas e aventuras como pelas lendas de sereias e “histórias de pescador”.

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Luciana é profissional da área de tradução há mais de 15 anos, atuando também como professora de Inglês. Trabalha no Mistérios do Mundo desde 2016 como redatora e roteirista e em horas vagas é pesquisadora curiosa em diversas áreas do conhecimento.

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