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A desordem que leva as pessoas a decepar os próprios membros

Lucas R.

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A desordem que leva as pessoas a decepar os próprios membros
Explore o transtorno de identidade de integridade corporal (BIID): causas, histórico e pesquisas recentes. Entenda a jornada dos afetados.

Imagine olhando para o seu corpo e sentindo que uma parte dele simplesmente não lhe pertence. Não se trata de um desconforto passageiro, mas de uma desconexão profunda e duradoura. Para aqueles que sofrem de transtorno de identidade de integridade corporal (BIID), essa é a sua realidade. A jornada deles, que vai do mal-entendido à revelação neurológica, é um relato fundamental sobre a experiência humana e a evolução científica.

Ainda que o BIID tenha sido reconhecido apenas nas últimas décadas, ele possui precedentes históricos. Um dos registros mais antigos, de 1785, conta a história de um inglês que exigiu que o cirurgião francês, Jean-Joseph Sue, amputasse sua perna. O homem estava apaixonado por uma amputada e acreditava que, ao perder um membro, conquistaria o amor dela. Esta narrativa, além de revelar a complexidade do transtorno, pode ter contribuído para seu diagnóstico inicial incorreto.

Durante anos, o BIID foi chamado de “apotemnofilia”, termo introduzido em 1977 pelo psicólogo John Money. Ele definiu a condição como uma “parafilia”, sugerindo que os portadores eram motivados por desejos sexuais. As origens dessa teoria são polêmicas. Acusações subsequentes de má conduta sobre Money colocaram suas contribuições em xeque. No entanto, essa visão predominou no debate sobre o BIID por quase vinte anos, agravando o sofrimento daqueles afetados.

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O final dos anos 90 trouxe uma mudança significativa na compreensão da condição. Graças ao cirurgião escocês Robert Smith, que desafiou sua classificação como um mero fetiche, argumentando que o transtorno de identidade de integridade corporal tinha uma origem neurológica. Essa nova perspectiva foi um marco, associando o transtorno à complexa estrutura cerebral e não apenas a desejos superficiais.

No início dos anos 2000, essa ideia ganhou ainda mais destaque. Dr. Michael First, da Universidade Columbia, comparou o BIID ao transtorno dismórfico corporal, destacando o desconforto obsessivo que os pacientes sentiam em relação à própria aparência. Por outro lado, Dr. David Spiegel, da Universidade Stanford, traçou um paralelo entre BIID e anorexia nervosa, ressaltando a distorcida autopercepção.

Entretanto, os impactos do BIID no mundo real e as medidas extremas que as pessoas tomavam em busca de alívio se tornaram ainda mais claros. A história de Rowland Bowen em 1968 é um exemplo perturbador. Bowen, em sua desesperada busca por uma solução, amputou a própria perna usando ferramentas domésticas. Alguns viajaram para lugares distantes em busca de cirurgias clandestinas, correndo riscos fatais. Soluções improvisadas, como o uso de gelo seco ou guilhotinas caseiras, mostram o quão profundo era seu desespero. Esse anseio por auto-realização levou à criação de comunidades de apoio online, onde os afetados compartilhavam suas experiências.

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Os últimos anos trouxeram mais descobertas científicas sobre o BIID. Um estudo de 2012 publicado no PLOS One indicou que o BIID poderia ser congênito. Uma outra pesquisa em 2016 sugeriu uma desconexão entre o mapa corporal interno do cérebro e o corpo físico, devido a danos no lobo parietal. Esses achados, embora não ofereçam um alívio imediato, apontam caminhos para intervenções mais específicas no futuro.

Mas, atualmente, como é o alívio para alguém com BIID? A terapia cognitivo-comportamental e os antidepressivos são apontados como possíveis soluções. No entanto, para muitos, o alívio só vem com a remoção do membro “alienígena”. A história de Jewel Shuping é um testemunho disso. Ela causou sua própria cegueira para se reconciliar com sua imagem mental, afirmando posteriormente que esse foi o caminho para sua felicidade.

Contudo, o debate sobre o BIID continua complexo. Por um lado, há o desejo de proteger os indivíduos de se autoagredirem. Por outro, reconhece-se o direito à autonomia corporal do indivíduo. Independentemente dos dilemas éticos, é inegável o sofrimento genuíno daqueles com BIID.

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Editor-chefe do portal Mistérios do Mundo desde 2011. Adoro viajar, curtir uma boa música e leitura. Ganhou o prêmio influenciador digital na categoria curiosidades.