Marina Abramović é uma das artistas mais ousadas e influentes do mundo, reconhecida por desafiar os limites do corpo e da mente em suas performances. Seu trabalho vai muito além do famoso Rhythm 0, realizado em 1974, quando ela permitiu que o público interagisse livremente com ela por seis horas usando objetos que iam de flores a uma arma carregada. Esse experimento radical, que quase terminou em tragédia, é apenas uma parte de uma carreira repleta de atos que exploram vulnerabilidade, conexão humana e os riscos da arte ao vivo.
Em 2005, aos 58 anos, Abramović decidiu revisitar performances históricas em seu projeto Seven Easy Pieces, realizado no Museu Guggenheim de Nova York. A ideia era reencenar obras icônicas de artistas pioneiros, muitas delas originalmente executadas décadas antes, mas que ela considerava subdocumentadas ou apropriadas sem os devidos créditos.
“Na época, a performance não era levada a sério como linguagem artística. De repente, todo mundo — de cantores pop a estilistas — usava elementos dela, mas sem reconhecer suas origens”, explicou em entrevista. Seu objetivo era resgatar a história dessas obras e, ao mesmo tempo, questionar quem tem o direito de reinterpretá-las.
Uma das reencenações mais polêmicas foi Seedbed, criação do artista Vito Acconci de 1972. Na versão original, Acconci se escondia sob uma rampa em uma galeria e se masturbava enquanto descrevia, por alto-falantes, fantasias envolvendo os visitantes que caminhavam acima dele. Abramović, ao adaptar a peça, enfrentou um desafio biológico: “Para um homem, é sobre ejaculação.
Para uma mulher, é diferente. Não se trata de um resultado físico, mas de um processo interno e da conexão com o público invisível”. Ela passou horas deitada sob a estrutura, concentrando-se intensamente para atingir o clímax nove vezes durante a performance, algo que exigiu tanto esforço físico quanto mental. “Nunca me concentrei tanto na vida. Cada passo acima de mim era um estímulo. No final, estava exausta”, revelou.
A artista descreveu a experiência como uma forma de transcendência. “Um orgasmo não é apenas físico. É um momento em que você se sente totalmente vivo, conectado ao ambiente, às energias ao redor. Tudo fica luminoso”. Essa busca por conexão universal é uma marca de seu trabalho, que muitas vezes a coloca em situações extremas.
Em Seedbed, por exemplo, o público não via seu corpo — apenas ouvia sons ambientes e sua respiração —, mas a interação invisível criou uma atmosfera de cumplicidade. “As pessoas dançavam, riam. Parecia uma festa”, contou.
Além de Seedbed, Abramović reinterpretou obras de outros artistas, como Bruce Nauman, e também relembrou performances próprias, como Lips of Thomas (1975), em que ela cortava a própria pele. Cada reencenação em Seven Easy Pieces durou sete horas, e a artista não permitiu intervalos ou pausas, mantendo um rigor que contrastava com a natureza efêmera das performances originais. O projeto não apenas revitalizou peças esquecidas, mas também gerou debates sobre autoria, preservação da arte performática e os desafios de recriar trabalhos que dependem do contexto histórico.
Marina Abramović continua sendo uma figura que desafia convenções. Seus experimentos, muitas vezes perturbadores, questionam até onde o público está disposto a ir quando recebe permissão para agir — e como o corpo da artista se torna um campo de batalha entre violência e empatia, controle e liberdade. Sua carreira, que abrange mais de cinco décadas, prova que a arte não precisa ser eterna para deixar marcas profundas.