Em 1984, uma cena transmitida ao vivo pela televisão deixou os Estados Unidos em choque. Enquanto câmeras acompanhavam a chegada de um suspeito a um aeroporto na Louisiana, um homem aproximou-se discretamente e disparou um tiro à queima-roupa na cabeça do acusado.
O alvo era Jeff Doucet, um instrutor de karatê de 25 anos, e o autor do disparo era Gary Plauché, pai de uma de suas vítimas. O crime, capturado em tempo real, tornou-se um símbolo de justiça e vingança, mas também revelou uma história de trauma, conflito familiar e questionamentos sobre os limites da lei.
Tudo começou em março de 1983, quando Jody Plauché, então com 11 anos, começou a treinar karatê com Jeff Doucet, um professor que dava aulas para ele e seus irmãos. Os pais de Jody ficaram felizes com o novo interesse do filho, sem imaginar que, por trás das lições de autodefesa, se escondia um pesadelo. Durante meses, Doucet abusou sexualmente do menino, manipulando sua confiança e aproveitando-se da inocência da criança.
A situação chegou a um ponto crítico em fevereiro de 1984. Doucet, que enfrentaria uma audiência judicial por fraudes financeiras, decidiu fugir. Ele convenceu os pais de Jody a deixá-lo levar o garoto para um “passeio de 15 minutos”, mas, em vez disso, dirigiu quase 3.200 quilômetros até um motel na Califórnia. Durante 14 dias, Jody permaneceu sob o controle do abusador, até que uma ligação telefônica feita pelo próprio menino permitiu que a polícia o localizasse.
No dia 1º de março, Jody foi resgatado e Doucet, preso. O instrutor foi enviado de volta à Louisiana para enfrentar as acusações de sequestro e abuso. Porém, no dia 16 de março, durante a transferência do suspeito pelo aeroporto de Baton Rouge, Gary Plauché colocou em prática um plano de vingança. Disfarçado com um boné e fingindo usar um telefone público, ele esperou a passagem de Doucet e efetuou o disparo que mataria o homem horas depois.
O vídeo do assassinato, exibido repetidamente pela imprensa, transformou Gary em uma figura controversa. Muitos o viram como um herói que fez justiça com as próprias mãos, especialmente após ele receber uma sentença branda: sete anos de liberdade condicional, 300 horas de serviço comunitário e nenhum dia de prisão. Para o sistema judicial, o crime foi classificado como homicídio culposo, com a justificativa de que Gary agiu sob “extremo estresse emocional”.
Porém, por trás do ato de vingança, havia uma família destruída. Jody, que assistiu ao assassinato pela TV, revelou anos depois que aquele momento marcou o início de uma relação conturbada com o pai. Em entrevistas, ele confessou que, aos 11 anos, não desejava a morte de Doucet, mas sim que o abusador fosse punido pela lei. “Queria que ele apodrecesse na cadeia. Meu pai deu a ele um caminho fácil”, afirmou.
Apesar do alívio inicial de ver seu agressor morto, Jody enfrentou anos de conflitos internos. Em seu livro Why Gary Why?: The Jody Plauché Story, ele detalha como o trauma moldou sua vida. O título da obra é uma referência às palavras que um policial disse a Gary após a prisão: “Por que você fez isso, Gary?”. A resposta do pai, registrada na época, ecoou como uma defesa instintiva: “Se fosse seu filho, você teria feito o mesmo”.
Jody reconhece a complexidade do gesto paterno. Embora critique a decisão de Gary, ele entende o desespero que o motivou. “Meu pai achava que um deles, ou os dois, morreriam naquela noite. Ele não via alternativa”, explicou. A relação entre os dois só começou a se reconstruir após conversas difíceis, nas quais Gary admitiu que agiu por impulso, sem medir as consequências para a própria família.
O caso também levantou debates sobre a eficácia do sistema judiciário. Para parte da população, Gary simbolizou a frustração de quem não encontra respostas na justiça tradicional. “Ele fez o que muitos dizem que fariam, mas quase ninguém faz”, refletiu Jody. Ao mesmo tempo, o episódio serve como alerta sobre os riscos de ações individuais: “Um pai precisa estar presente para apoiar o filho, não preso ou condenado”, destacou.
Quase quatro décadas depois, a história de Jody Plauché continua a gerar discussões. Seu relato, repleto de nuances, desafia visões simplistas sobre vítimas e justiceiros. Enquanto alguns veem Gary como um símbolo de coragem, outros questionam se a violência, mesmo motivada por dor, pode ser legitimada. Para Jody, a resposta não está em glorificar ou condenar, mas em compreender como o trauma reverbera por gerações — e como a busca por justiça pode tomar caminhos imprevisíveis.