Imagine trabalhar 17 horas por dia, sem folga, durante sete dias seguidos. Parece um cenário distópico, mas essa é a proposta de Elon Musk para funcionários de um departamento ligado ao governo dos Estados Unidos. O bilionário, conhecido por suas declarações polêmicas, defende uma jornada de 120 horas semanais no Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), órgão associado à gestão de Donald Trump. A ideia gerou revolta e preocupação, já que essa carga ultrapassa qualquer limite considerado humano: equivale a menos de 7 horas diárias para dormir, comer e cuidar da vida pessoal — se é que sobra tempo para isso.
Musk não está sozinho nessa visão extrema. Sergey Brin, cofundador do Google, também entrou na onda ao pressionar funcionários da área de inteligência artificial a trabalharem 60 horas por semana. Em um memorando interno vazado pelo The New York Times, Brin afirmou que essa é a “quantidade ideal” para impulsionar a produtividade. Na prática, seriam 12 horas diárias de segunda a sexta — ou mais de 8 horas por dia, sem folga —, deixando pouco espaço para atividades básicas como deslocamento, lazer ou convívio familiar.

Elon Musk se tornou uma figura-chave para o governo de Donald Trump nos Estados Unidos.
Por que tantas horas? A resposta está na corrida pela IA
Os dois casos têm um ponto em comum: a disputa frenética pelo desenvolvimento da Inteligência Artificial Geral (IAG), tecnologia que promete superar a capacidade cognitiva humana. Brin, que retornou ao Google em 2023 para liderar projetos como o Gemini (sistema de IA da empresa), justificou a exigência citando a necessidade de “superalimentar os esforços” para vencer a competição global. Musk, por sua vez, vinculou a demanda a uma suposta “eficiência” contra a lentidão burocrática, chegando a chamar funcionários públicos tradicionais de “opositores burocráticos” em um post na rede X.
A ironia é que essas propostas partem de executivos de empresas que, nos últimos anos, demitiram milhares de trabalhadores. Enquanto reduzem equipes, eles pressionam os que permanecem a assumirem cargas absurdas — muitas vezes sem remuneração extra. Em novembro, o DOGE chegou a publicar uma convocatória buscando pessoas com “QI muito alto” dispostas a trabalhar mais de 80 horas semanais sem receber salário. Entre os recrutados estão jovens de 19 anos, levantando suspeitas de exploração laboral.
O corpo humano não é uma máquina
Médicos e pesquisadores alertam há décadas sobre os riscos de jornadas extensas. Trabalhar mais de 8 horas diárias aumenta o risco de doenças cardiovasculares, distúrbios do sono, ansiedade e conflitos familiares. Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que longas horas de trabalho contribuíram para 745 mil mortes por doenças cardíacas e derrames apenas em 2016. Além disso, a produtividade cai após certas horas: o cérebro humano simplesmente não consegue manter o foco intenso por períodos prolongados.

Sergey Brin, um dos fundadores do Google, quer que os funcionários trabalhem mais.
Apesar das evidências, os discursos de Musk e Brin sugerem que a ambição pelo domínio tecnológico está acima do bem-estar dos funcionários. Brin chegou a criticar funcionários que “fazem o mínimo para sobreviver” — referindo-se àqueles que trabalham menos de 60 horas semanais —, classificando-os como “desmotivadores” para a equipe. O Google, porém, negou oficialmente que haja planos de aumentar a jornada, afirmando que a carga de 40 horas semanais segue como padrão.
Um retrocesso perigoso
A pressão por horas excessivas representa uma ameaça a conquistas trabalhistas históricas. No início do século XX, operários lutaram — e alguns morreram — para estabelecer a jornada de 8 horas diárias. Agora, líderes tech parecem querer regredir a uma era onde o trabalho consumia toda a existência do indivíduo. Enquanto isso, funcionários relatam exaustão, burnout e medo de perderem empregos caso não aceitem as condições impostas.
Ainda não está claro se outras empresas seguirão o exemplo, mas o debate já acendeu um alerta: em um mundo obcecado por inovação, até onde vamos permitir que a saúde e a dignidade humana sejam sacrificadas em nome do progresso?