O eletrodoméstico que todos têm em casa e pode conter ouro de 22 quilates

por Lucas Rabello
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Se você tem um celular, computador ou tablet guardado em uma gaveta, saiba que ele pode esconder pequenas pepitas de ouro. Sim, o mesmo ouro usado em joias está presente em placas eletrônicas, conectores e circuitos desses dispositivos. A novidade é que pesquisadores da ETH Zurich, na Suíça, descobriram uma forma inovadora de extrair esse metal precioso do lixo eletrônico usando um ingrediente surpresa: subprodutos da indústria de alimentos, como resíduos da fabricação de queijo.

O Problema do Ouro Escondido (e do Lixo Esquecido)

A cada ano, milhões de toneladas de eletrônicos são descartadas no mundo. Só em 2023, foram mais de 53 milhões de toneladas, segundo estimativas. Esse material contém metais valiosos, como ouro, prata e cobre, mas menos de 20% são recuperados. O resto acaba em aterros ou é processado com métodos poluentes, que envolvem produtos químicos tóxicos, como cianeto ou ácido nítrico. Além do risco ambiental, o processo tradicional consome energia e tem baixa eficiência.

Da Cozinha para a Reciclagem: A Magia das Proteínas do Soro

A solução encontrada pelos cientistas suíços veio de uma fonte improvável: o soro de leite, um subproduto líquido gerado na fabricação de queijos. Quando aquecido em condições ácidas, as proteínas do soro se transformam em nanofibras — estruturas microscópicas que formam um gel. Esse material, depois de seco, vira uma esponja porosa e leve, parecida com um pedaço de isopor.

A mágica acontece quando a esponja é mergulhada em uma solução contendo metais dissolvidos de placas eletrônicas trituradas. As nanofibras da esponja têm uma afinidade química especial com íons de ouro, atraindo-os como um ímã. Depois de saturar a esponja com partículas douradas, os pesquisadores a queimam em altas temperaturas. O que sobra são escamas de ouro puro, que podem ser fundidas em uma única pepita.

Resultados que Brilham

Em um teste, 20 placas-mãe de computadores antigos renderam 450 miligramas de ouro de 22 quilates — uma liga com 91% de ouro e 9% de cobre, avaliada em cerca de 33 dólares. Pode parecer pouco, mas a escala muda tudo. Uma tonelada de celulares descartados, por exemplo, contém até 300 gramas de ouro, enquanto uma tonelada de minério extraído de uma jazida tradicional tem, em média, apenas 5 gramas.

O método também é economicamente atraente: para cada dólar investido no processo, o retorno chega a 50 dólares. Isso sem contar os benefícios ambientais, já que a técnica elimina o uso de substâncias perigosas e aproveita resíduos da indústria alimentícia que, de outra forma, seriam descartados.

Por Que Ouro nos Eletrônicos?

O ouro é um componente-chave em dispositivos eletrônicos por dois motivos: é um excelente condutor de eletricidade e não sofre corrosão. Isso garante conexões estáveis e duráveis, mesmo em componentes microscópicos. Apesar de cada dispositivo usar quantidades mínimas (menos de 0,2 gramas, no caso de um smartphone), o volume global de lixo eletrônico torna a reciclagem em larga escala altamente vantajosa.

Foto: ETH Zurich

Foto: ETH Zurich

Um Futuro Circular (e Mais Verde

Além de recuperar metais, a técnica promove uma economia circular. Os resíduos da produção de queijo, que demandam tratamento complexo para não poluir o meio ambiente, ganham nova utilidade. Para se ter ideia, a indústria láctea gera cerca de 180 milhões de toneladas de soro por ano — parte desse volume poderia ser convertido em esponjas para mineração urbana.

Enquanto métodos tradicionais de mineração exigem escavações profundas, desmatamento e grandes volumes de água, a extração de ouro de e-lixo reduz a pressão sobre recursos naturais. E o melhor: cada esponja de proteína usada no processo é biodegradável, fechando o ciclo sem deixar rastros tóxicos.

Desafios e Próximos Passos

Apesar do sucesso em laboratório, os pesquisadores ainda precisam adaptar a técnica para operações industriais. Um dos obstáculos é coletar e processar grandes quantidades de lixo eletrônico, que varia em composição conforme o tipo de dispositivo. Outro passo importante é explorar o uso das esponjas de proteína para extrair outros metais, como paládio e prata, também presentes em componentes eletrônicos.

Enquanto isso, a descoberta já acendeu um debate: será que, no futuro, as minas de ouro serão substituídas por depósitos de lixo eletrônico e fábricas de queijo?

Lucas Rabello
Lucas Rabello

Fundador do portal Mistérios do Mundo (2011). Escritor de ciência, mas cobrindo uma ampla variedade de assuntos. Ganhou o prêmio influenciador digital na categoria curiosidades.

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