No dia 7 de janeiro de 2022, a vida de Elizabeth Struhs, uma menina de oito anos de Toowoomba, região a oeste de Brisbane, na Austrália, chegou a um fim trágico. Ela faleceu em casa após desenvolver uma complicação grave do diabetes tipo 1, conhecida como cetoacidose diabética. Quase dois anos depois, em 27 de janeiro de 2024, um tribunal australiano condenou seus pais, Jason e Kerrie Struhs, e mais 12 integrantes de um grupo religioso chamado The Saints (Os Santos) por homicídio culposo. O motivo: todos teriam negado a ela o acesso à insulina, medicamento essencial para sua sobrevivência.
Elizabeth foi diagnosticada com diabetes tipo 1 em 2019, após ser hospitalizada em coma diabético. Na época, os médicos explicaram à família que a condição exigia aplicações diárias de insulina para controlar os níveis de glicose no sangue. Sem o hormônio, o corpo não consegue processar o açúcar, levando a complicações fatais. Três anos depois, porém, quando a menina começou a apresentar sintomas de hiperglicemia — como vômitos, cansaço extremo e perda de consciência —, os pais e outros membros do grupo religioso optaram por substituir o tratamento médico por orações e cantos.
De acordo com o The New York Times, Elizabeth ficou seis dias sem receber as injeções de insulina prescritas. Durante o julgamento, que começou em julho de 2023 e durou vários meses, promotores apresentaram relatos de testemunhas que descreveram o sofrimento da criança em seus últimos dias. Ela estava tão debilitada que precisava de ajuda para ir ao banheiro, apresentava incontinência urinária e mal conseguia falar. A cetoacidose diabética, explicada pela Mayo Clinic como uma condição em que o corpo, sem insulina suficiente, passa a quebrar gordura como energia, gerando ácidos tóxicos no sangue, foi a causa oficial da morte.
O tribunal também revelou um detalhe chocante: membros do grupo religioso acreditavam que Elizabeth ressuscitaria após morrer. Por isso, as autoridades só foram avisadas 36 horas após seu falecimento. O pai da menina, Jason Struhs, declarou que havia feito um “acordo” com a filha para interromper a insulina e manteve a convicção de que ela voltaria à vida. “Para vocês, parece que Deus falhou. Mas eu sei que Elizabeth está apenas dormindo e a verei novamente. Deus prometeu, e ela está curada”, disse durante o depoimento.
O juiz Martin Burns, responsável pelo caso, destacou que Elizabeth recebeu cuidados amorosos em muitos aspectos, mas foi privada do único recurso capaz de salvá-la: “Não há dúvidas de que ela era amada. No entanto, devido a uma crença singular no poder divino de cura, ela não teve acesso ao que certamente a manteria viva”.
Os 14 condenados, incluindo os pais, se declararam inocentes durante o processo. Agora, aguardam a sentença, prevista para o próximo mês, com pena máxima possível de prisão perpétua. Enquanto isso, uma campanha no GoFundMe organizada pela irmã de Elizabeth busca arrecadar fundos para apoiar os outros irmãos da família.
O caso reacendeu discussões sobre os limites entre liberdade religiosa e negligência médica, especialmente quando envolve a vida de crianças. Autoridades de saúde reforçam que o diabetes tipo 1 é uma condição crônica controlável com tratamento adequado, mas que, sem insulina, torna-se fatal em questão de dias.